O mês de fevereiro iniciou-se com uma agradável notícia, contudo pouco expressiva face ao panorama atual de violações da liberdade de imprensa. Após 400 dias de cativeiro no Cairo, e sob a acusação de difusão de falsas informações, Peter Greste, jornalista de origem australiana da Al-Jazeera, foi libertado. Em prisão, e desde o mesmo período, permanecem outros dois jornalistas, da mesma estação televisiva. Uma mediática campanha, encabeçada pela própria estação televisiva, junto à opinião pública internacional, conjuntamente com pressões junto ao governo egípcio poderão estar por detrás da soltura de Greste, que estaria condenado inicialmente a sete anos de prisão.
Um dia antes, a 31 de janeiro, o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) divulga um vídeo no qual assume a decapitação do cidadão japonês Kenji Goto, sequestrado na Síria. Goto, jornalista freelance, teria se deslocado à Síria, em outubro de 2014, num esforço para libertar um seu conterrâneo e amigo, Haruna Yukawa, refém do EI. A divulgação da decapitação de Yukawa foi realizada pelo EI, a 25 de janeiro de 2015.
Dados interessantes e seguramente pertinentes são os divulgados pelo Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). No website institucional do CPJ, surgem aterradoras estatísticas, relativas à morte de jornalistas (de 1992 a janeiro de 2015).
Desde 1992 foram mortos 1.110 jornalistas, no desempenho das suas funções. Só na Síria, desde o mesmo período, faleceram 79 jornalistas, 10 deles executados.
Os assuntos em cobertura pelas vítimas (jornalistas), aquando da sua morte, eram dos seguintes foros: 45% política, 37% guerra, 20% corrupção, 20% direitos humanos, 32% outros assuntos (pode dar mais de 100% por, em alguns casos, acumular mais de uma categoria).
Os media para os quais as vítimas (jornalistas) trabalhavam, aquando da sua morte, eram os seguintes: 51% imprensa escrita, 30% televisão, 19% rádio, 11% internet (pode dar mais de 100% por, em alguns casos, acumular mais de uma categoria). Relativamente ao género das vítimas (jornalistas): 93% homens, 7% mulheres.
Em relação ao tipo de morte dos jornalistas: 66% assassinato, 21% fogo cruzado em combate, 13% missões perigosas.
Face à criminalização e à realização de justiça, perante os responsáveis dos casos de morte de jornalistas: 87% completa impunidade, 9% justiça parcial, 4% justiça completa.
Outros dados, presentes na plataforma digital do CPJ, deverão ser alvo de escrutínio.Entre 1 de junho de 2009 e 31 de maio de 2014, 404 jornalistas foram forçados a procurar exílio, em virtude da sua atividade profissional. Um censo realizado mundialmente revela que estavam, a 1 de dezembro de 2014, 221 jornalistas em cativeiro.
O rastreio relativo a jornalistas desaparecidos, em funções, é de difícil verificação, em cenários como o da Síria, onde a informação é escassa e onde por vezes os casos não são devidamente reportados. Contudo, face a este censo em particular estão reportados, desde 1982, 39 jornalistas desaparecidos.
A encerrar este aterrador registo surgem os dados relativos aos países que compõem o ranking de morte de jornalistas, em execução de funções. Assim, e desde 1992, o Iraque apresenta 166 mortes, a Síria 79 mortes e as Filipinas 77 mortes.
Embora os crimes perante jornalistas sejam uma realidade impunemente condenada, por determinados Estados governo (já identificados, alguns), a violação da liberdade jornalística é uma prática disseminada mundialmente, com maior e menor expressividade.
Muito recente, e após o ataque à publicação satírica francesa Charlie Hebdo, a 7 de janeiro, a comunidade internacional condenou massivamente (expressando-o veemente) o atentado terrorista, que vitimou 7 jornalistas/cartoonistas e trouxe mais uma vez à discussão a liberdade de imprensa. Os limites associados à liberdade de imprensa (e à liberdade de expressão) foram analisados e reanalisados pela opinião pública.
Distante dos violentos ataques a jornalistas (anteriormente reportados), contudo sujeitos a uma idêntica acérrima condenação, estão os “ataques” à liberdade jornalística, que se verifica em alguns dos países intitulados de bastiões das liberdades de expressão.
Geoffrey King, advogado e jornalista colaborador da CPJ, expõe no seu artigo “The NSA Puts Journalists Under a Cloud of Suspicion”, um vasto conjunto de conjunturas onde a liberdade jornalística é muitas vezes ameaçada. Segundo King, a agência de segurança nacional norte americana – NSA, tem vindo a adotar, concertadamente, medidas de vigilância a jornalistas que tenham relação direta com whistleblowers, monitorizando as suas investigações e colocando em causa a garantia da confidencialidade das suas fontes.
Exemplos do referido são os jornalistas James Bamford, que tem vindo a implicar, nos seus artigos, a NSA em crimes de vigilância massificada. Ou ainda os jornalistas Barton Gellman e Glenn Greenwald, que primeiramente entrevistaram Edward Snowden e acederam às suas revelações de vigilância em massa, perpetrada pela agência de segurança nacional norte americana. Ainda segundo King, o escrutínio por parte da NSA atua tanto perante jornalistas de media de renome, como o The New York Times, o The Washington Post, ou o The Wall Street Journal, como perante jornalistas independentes.
A mesma violação é reportada pelo organismo “Freedom of the Press Foundation”, concernente ao Reino Unido. O jornalista James Ball assina, a 19 de janeiro de 2015, um artigo que sai no jornal The Guardian, intitulado de “GCHQ Captured Emails of Journalists from Top International Media”, implicando a agência de segurança nacional inglesa (GCHQ) na monitorização de emails de jornalistas de órgãos de comunicação social como a BBC, a Reuters, o The Guardian, o The New York Times, o Le Monde, o The Sun, a NBC, e o The Washington Post.
Os jornalistas que, no seu código deontológico, assumem lutar contra as restrições no acesso a fontes de informação e a tentativas de limitar a liberdade de expressão, são hoje alvo de perseguição feroz. Pelo terceiro ano consecutivo (2012 a 2014) mais de 200 jornalistas se encontram aprisionados, um pouco por todo o mundo, por questões ligadas à prática jornalística. Atualmente, a violação da liberdade jornalística, nas suas mais distintas expressões, é perfilhada por grupos terroristas assumidos, por Estados governo ditatoriais ou por democracias assim consideradas.
Como já alertado pelas Nações Unidas, o jornalismo é hoje uma das mais perigosas profissões do mundo.
Créditos da foto: Julien de Rosa
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