O Poder das Plataformas

Maio 1, 2018 • Jornalismo digital, Social Media, Top stories • by

Hoje em dia, há mais pessoas a receber as suas notícias via Facebook ou Google do que através de qualquer meio de comunicação social. Cada vez mais, são estas plataformas que exploram as infraestruturas que sustentam a livre expressão das nossas ideias e, por isso, são também elas que condicionam as nossas escolhas e afetam as nossas instituições.

É verdade que as notícias que nós recebemos através das plataformas online ainda são maioritariamente produzidas pelos jornalistas em meios de comunicação social. Mas o modo as descobrimos, a forma como são distribuídas, a decisão do que deve ou não deve ser mostrado, assim como a sua rentabilização comercial, são aspetos que estão a mudar muito rapidamente .

A ascensão das plataformas online significa que passámos de um paradigma em existia um conjunto dominante de gatekeepers (os meios de comunicação social) para uma realidade que articula dois tipos de gatekeepers: os média, que continuam a ser os gatekeepers primários, no sentido em que determinam aquilo que é produzido como notícia; e as plataformas, que são cada vez mais decisivas em termos de distribuição e disseminação da informação.

Contrariando a ideia comum de que as redes sociais nos distraem dos assuntos importantes e promovem a polarização e as chamadas “filter bubbles”, existe um número crescente de pesquisas cientificas que indicam que a distribuição de notícias através das redes sociais gera uma maior diversidade de pontos de vista, inclusive com um ligeiro efeito contrário ao da polarização e com níveis mais elevados de participação política. Globalmente, estes são os efeitos positivos que a ascensão das plataformas nos proporciona, a todos, enquanto indivíduos.

O efeito disruptivo das plataformas

No entanto, à medida que as receitas dos meios de comunicação social tradicionais vão diminuindo e os rendimentos provenientes do digital aumentam mas numa proporção bastante menor, a indústria dos média corre o sério risco de se converter numa espécie de dano colateral do fenómeno da ascensão e proliferação das plataformas online. Isto demonstra até que ponto a generalização destas plataformas, que reforçam a capacidade comunicativa dos indivíduos, também têm efeitos disruptores nas instituições tradicionais.

De certa forma, os meios de comunicação social, que ocupavam o pináculo do ecossistema informativo tradicional, estão agora transformados em médias de nicho, crescentemente dependentes das plataformas para a distribuição dos seus conteúdos, mas ao mesmo tempo desconfiados dessa dependência e receosos da transferência de poder que essa dependência implica.

Cinco aspetos do poder das plataformas

As plataformas usam as formas convencionais de poder, mas também exercem novas formas de influência que resultam precisamente da sua condição e “plataformas”. Essas novas formas de poder derivam da combinação destes cinco aspetos.
1. As plataformas têm o poder de estabelecer os parâmetros que os utilizadores são obrigados respeitar se quiserem fazer parte das redes (técnicas e sociais) em que as elas operam, entrar nos mercados que elas criam e participar nas transações correspondentes.
2. As plataformas têm o poder de fazer ou desfazer conexões dentro da rede de transações que materializam, seja através da alterações da regras sociais vigentes (regras da comunidade) ou dos seus protocolos técnicos (algoritmos de pesquisa e de seriação).
3. As plataformas têm o poder de implementar ações automáticas em escala, uma vez que as suas tecnologias potenciam e condicionam todos os dias milhões de transações, levadas a cabo tanto pelos utilizadores como pelos anunciantes ou outras entidades.
4. As plataformas têm o poder do seu próprio secretismo, uma vez que atuam como “caixas negras”, nas quais os utilizadores podem apenas vislumbrar os imputs e outputs, sem acesso a dados não condicionados, enquanto apenas as próprias plataformas podem compreender o funcionamento de todo o processo e aceder aos dados completos.
5. As plataformas têm uma forma de poder que resulta do facto de operarem em vários domínios, o que resulta da grande quantidade de dados que conseguem compilar e das decisões que podem tomar em termos de como usar esses dados e com quem os partilhar.

Ora, o poder não é sem si mesmo uma coisa negativa. O poder das plataformas é amplamente potenciador, transformativo e produtivo. Mas não deixa de ser uma forma de poder, necessariamente alinhado com os interesses particulares e estratégicos das próprias plataformas. Por outro lado, o poder das plataformas é profundamente relacional. Cada um de nós, como utilizador – e isso é válido também para os meios de comunicação social – contribuímos para o poder das plataformas porque estas nos proporcionam produtos e serviços atrativos e que nos permitem possibilidades especificas de comunicação.

O caminho em frente

Para os meios de comunicação social que querem aproveitar as oportunidades que as plataformas oferecem, os riscos associados a essa opção podem ser controlados, mas não podem ser suprimidos. E esse controlo de riscos tenderá a tornar-se cada vez mais decisivo à medida que as plataformas lideram elas próprias o desenvolvimento de novas tecnologias que se tornarão ainda mais importantes nos próximos anos, como os serviços de mensagens privadas, os assistentes comandados por voz e os sistemas de realidade alternativa/virtual.

A ascensão das plataformas contribuiu de muitas maneiras para aumentar as nossas possibilidades como indivíduos, mesmo que nos tenhamos tornado, por isso mesmo, cada vez mais dependentes delas. Mas a ascensão das plataformas também desafiou muitas instituições incumbentes, incluindo naturalmente, os meios de comunicação social, que, tal como nós, têm que enfrentar os dilemas de uma situação que lhes abre inúmeras possibilidades mas ao mesmo temo os torna mais dependentes das plataformas.

Tudo isto vem reforçar a urgência de estabelecermos um debate sobre a governação e regulação das plataformas e sobre o tipo de regras, formais e informais, que devem ser implementadas para que as plataformas operem de modo a beneficiar toda a comunidade e não apenas os seus acionistas.

Espero que esta palestra tenha suscitado o questionamento construtivo das plataformas e do seu poder; das formas pelas quais somos capacitados por elas, mas também dos modos pelos quais nos tornamos dependentes delas; daquilo que podemos esperar delas e como podemos canalizar o seu poder em prol da sociedade.

Esta palestra recorre a material de “Platforms and Publishers: A Comparative Analysis of Relations Between Digital Intermediaries and News Media Organizations”, o próximo livro de Rasmus Kleis Nielsen e Sarah Anne Ganter, previsto para 2019 com a chancela da Oxford University Press.

Este artigo foi publicado originalmente no website do Reuters Institute for the Study of Journalism e é agora publicado aqui com a permissão do autor.

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