Por: Ana Pinto-Martinho, Miguel Crespo e Wanessa Andrade (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa)
O rápido crescimento da tecnologia de ativação por voz não se traduziu em interesse no consumo de notícias nesses dispositivos, conforme apontado por vários relatórios. O desenvolvimento de conteúdo para altifalantes inteligentes e assistentes de voz ainda enfrenta muitos desafios no que diz respeito ao consumo e à produção.
A primeira ferramenta de comunicação do ser humano foi a fala, surgindo a escrita muito recentemente na história da humanidade. Mas no que diz respeito à história da internet, primeiro veio a escrita e depois veio o som.
A primeira ferramenta de reconhecimento de voz, a IBM Shoebox, foi criada em 1961 e reconhecia apenas 16 palavras e dígitos. Mas o potencial desse tipo de desenvolvimento foi reconhecido e nas décadas seguintes outras empresas fizeram progressos no reconhecimento de palavras.
Embora o “grande salto” só tenha chegado na primeira década do século XXI, com o lançamento da Siri pela Apple em 2011. A partir daí, essas ferramentas de voz ganharam a definição de assistentes de voz, pois eram capazes de ouvir, responder e realizar tarefas através do comando de voz. Desde então, os assistentes de voz tornaram-se populares e de fácil acesso à população.
Existem 8 bilhões de pessoas no mundo, cerca de 66% possuem um smartphone e a maioria usa um dispositivo com Android ou IOS, tendo, portanto, acesso à utilização de assistentes de voz. Segundo algumas investigações, considerando todos os dispositivos, 45% dos internautas no mundo utilizam comandos e pesquisas por voz. E como se enquadram as notícias neste cenário?
Assistentes de voz e notícias
Não podemos separar o debate sobre dispositivos assistentes de voz para notícias do debate sobre IA nas redações, seja na reportagem, produção ou distribuição de notícias. Isso requer formação, recursos e um amplo debate ético.
Uma das primeiras empresas a testar a utilização de Inteligência Artificial através de assistentes de voz foi o “The Evening Standard” de Londres, em 2017. Nesse mesmo ano, a BBC lançou, em parceria com a Amazon, a sua primeira funcionalidade de voz para o Alexa. No ano seguinte, o “The Guardian” lançou, juntamente com a Google, o Guardian Voice Lab.
A utilização de altifalantes ativados por voz tem crescido, mas, como alguns relatórios sugerem, a utilização nas notícias continua dececionante, pois a proporção de altifalantes inteligentes para notícias está a diminuir, ao mesmo tempo que os dispositivos se tornam mais comuns. Menos de quatro em cada dez acedem a notícias através dos seus dispositivos nos EUA (35%) e no Reino Unido (39%), e apenas um quarto na Alemanha (27%) e na Coreia do Sul (25%), de acordo com o Digital News Report 2019. Isto do lado do consumo.
Como a Google e a Amazon procuram fornecer serviços de notícias mais agregados em voz, é provável que as plataformas desempenhem um papel cada vez mais importante nessa área. Mas uma questão ainda permanece: os editores estão interessados em investir em novos serviços de notícias, agregando valor para as plataformas sem nenhuma perspetiva de retorno automático?
É provável que o potencial da plataforma se torne uma questão cada vez mais importante para os editores nos próximos anos, à medida que a Google e a Amazon procuram fornecer serviços de notícias mais agregados por voz. Mas muitos editores podem não estar interessados em investir em novos serviços, criando valor para plataformas sem nenhuma perspetiva de retorno automático. É cada vez mais comum encontrar investigações a explorar como a Inteligência Artificial (IA) pode ajudar os profissionais de comunicação a encontrar e contar melhores histórias.
Os meios de comunicação sabem desenvolver com segurança produtos para serem exibidos na TV, ouvidos na rádio ou lidos em sites Internet. Mas qual é o melhor produto de notícias para assistentes de voz? Como apresentar notícias consideradas relevantes e que apareçam no topo das buscas desses assistentes de voz?
O desafio da pesquisa por voz
A adoção de inteligência artificial nas redações, seja na reportagem, produção ou distribuição de conteúdo, requer formação, recursos e debate ético. Capacitar jornalistas e editores em conceitos gerais relacionados com a inteligência artificial e posteriormente em capacidades técnicas específicas é fundamental para promover uma cultura organizacional aberta ao uso dessa tecnologia.
Os algoritmos são fundamentais nas empresas de assistentes de voz. Embora a funcionalidade de busca por voz funcione de maneira diferente da busca por texto escrito. Quando alguém procura escrevendo num motor de busca, aparece uma lista com vários hiperlinks para sites. O algoritmo define uma lista de hiperlinks e o leitor tem a opção de escolher entre todas as opções que aparecem nas diversas páginas de resultados. Mas no caso dos altifalantes inteligentes, os assistentes de voz demorariam muito a apresentar os mesmos resultados. Então, o que acontece é que o algoritmo define um único resultado para o utilizador.
Portanto, usar a voz adiciona novas camadas de complexidade: tendemos a falar em texto não estruturado. Uma das coisas que torna a solução especialmente complicada para uma grande parte dos sistemas de IA, como o Alexa, é que os diferentes serviços do Alexa usam nomes distintos – ou slots – para os mesmos dados. Além disso, à medida que as interfaces de voz proliferam na vida das pessoas, os editores e outras organizações enfrentam uma nova equação estratégica: o nosso conteúdo é otimizado para pesquisa por voz? E, olhando mais para o futuro, como devemos indexar o nosso conteúdo para futuras formas de interação? Uma nova área de marketing já está a crescer. Voice Search Optimization (VSO) é o novo Search Engine Optimization (SEO), pois as empresas terão de considerar de que forma o seu conteúdo é entregue através de interfaces de conversação.
Grandes desafios a superar
Existem muitas dúvidas no que diz respeito à utilização e produção de conteúdo para dispositivos ativados por voz, mas as experiências estão a ser feitas e o interesse pela área está em crescimento, de forma consistente.
Ainda se levantam grandes questões sobre o que fazer, como fazer e como resolver os principais problemas e barreiras linguísticas.
As dificuldades são óbvias e levantam-se ao nível da identificação do melhor tipo de conteúdo, da forma de interagir com os utilizadores e no modelo de rentabilização dos conteúdos. Mas as diferenças de consumo nos interfaces de voz, comparadas com a interação escrita noutros canais de media, também são um grande desafio a ser dominado pelos produtores. Em termos de conhecimentos e capacidades necessárias para atuar nessa área, os especialistas apontam uma sólida formação em comunicação, mas com capacidades aplicadas à produção multimédia, algum domínio tecnológico e utilização intensiva de meios digitais.
Ética e privacidade também estão em discussão.
Mas o caminho está a ser trilhado para o desenvolvimento desta área e entender seu valor e potencial é de crucial importância para o jornalismo.
Os resultados completos do estudo estão disponíveis no relatório de investigação do NEWSREEL2 (https://newsreel.pte.hu/sites/newsreel.pte.hu/files/REPORT/newsreel2_research_report.pdf).
Foto: Pixabay See More
Original: https://newsreel.pte.hu/news/are_you_talking_me_voice_activated_devices_and_journalism
Tags:Alexa, jornalismo, jornalismo digital, Siri, Voice activated devices