Are you talking to me? – Dispositivos ativados por voz e jornalismo

Janeiro 3, 2023 • Jornalismo, Jornalismo digital, Últimas • by

Por: Ana Pinto-Martinho, Miguel Crespo e Wanessa Andrade (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa)

O rápido crescimento da tecnologia de ativação por voz não se traduziu em interesse no consumo de notícias nesses dispositivos, conforme apontado por vários relatórios. O desenvolvimento de conteúdo para altifalantes inteligentes e assistentes de voz ainda enfrenta muitos desafios no que diz respeito ao consumo e à produção.

A primeira ferramenta de comunicação do ser humano foi a fala, surgindo a escrita muito recentemente na história da humanidade. Mas no que diz respeito à história da internet, primeiro veio a escrita e depois veio o som.

A primeira ferramenta de reconhecimento de voz, a IBM Shoebox, foi criada em 1961 e reconhecia apenas 16 palavras e dígitos. Mas o potencial desse tipo de desenvolvimento foi reconhecido e nas décadas seguintes outras empresas fizeram progressos no reconhecimento de palavras.

Embora o “grande salto” só tenha chegado na primeira década do século XXI, com o lançamento da Siri pela Apple em 2011. A partir daí, essas ferramentas de voz ganharam a definição de assistentes de voz, pois eram capazes de ouvir, responder e realizar tarefas através do comando de voz. Desde então, os assistentes de voz tornaram-se populares e de fácil acesso à população.

Existem 8 bilhões de pessoas no mundo, cerca de 66% possuem um smartphone e a maioria usa um dispositivo com Android ou IOS, tendo, portanto, acesso à utilização de assistentes de voz. Segundo algumas investigações, considerando todos os dispositivos, 45% dos internautas no mundo utilizam comandos e pesquisas por voz. E como se enquadram as notícias neste cenário?

Assistentes de voz e notícias

Não podemos separar o debate sobre dispositivos assistentes de voz para notícias do debate  sobre IA nas redações, seja na reportagem, produção ou distribuição de notícias. Isso requer formação, recursos e um amplo debate ético.

Uma das primeiras empresas a testar a utilização de Inteligência Artificial através de assistentes de voz foi o “The Evening Standard” de Londres, em 2017. Nesse mesmo ano, a BBC lançou, em parceria com a Amazon, a sua primeira funcionalidade de voz para o Alexa. No ano seguinte, o “The Guardian” lançou, juntamente com a Google, o Guardian Voice Lab.

A utilização de altifalantes ativados por voz tem crescido, mas, como alguns relatórios sugerem, a utilização nas notícias continua dececionante, pois a proporção de altifalantes inteligentes para notícias está a diminuir, ao mesmo tempo que os dispositivos se tornam mais comuns. Menos de quatro em cada dez acedem a notícias através dos seus dispositivos nos EUA (35%) e no Reino Unido (39%), e apenas um quarto na Alemanha (27%) e na Coreia do Sul (25%), de acordo com o Digital News Report 2019. Isto do lado do consumo.

Como a Google e a Amazon procuram fornecer serviços de notícias mais agregados em voz, é provável que as plataformas desempenhem um papel cada vez mais importante nessa área. Mas uma questão ainda permanece: os editores estão interessados ​​em investir em novos serviços de notícias, agregando valor para as plataformas sem nenhuma perspetiva de retorno automático?

É provável que o potencial da plataforma se torne uma questão cada vez mais importante para os editores nos próximos anos, à medida que a Google e a Amazon procuram fornecer serviços de notícias mais agregados por voz. Mas muitos editores podem não estar interessados ​​em investir em novos serviços, criando valor para plataformas sem nenhuma perspetiva de retorno automático. É cada vez mais comum encontrar investigações a explorar como a Inteligência Artificial (IA) pode ajudar os profissionais de comunicação a encontrar e contar melhores histórias.

Os meios de comunicação sabem desenvolver com segurança produtos para serem exibidos na TV, ouvidos na rádio ou lidos em sites Internet. Mas qual é o melhor produto de notícias para assistentes de voz? Como apresentar notícias consideradas relevantes e que apareçam no topo das buscas desses assistentes de voz?

O desafio da pesquisa por voz

A adoção de inteligência artificial nas redações, seja na reportagem, produção ou distribuição de conteúdo, requer formação, recursos e debate ético. Capacitar jornalistas e editores em conceitos gerais relacionados com a inteligência artificial e posteriormente em capacidades técnicas específicas é fundamental para promover uma cultura organizacional aberta ao uso dessa tecnologia.

Os algoritmos são fundamentais nas empresas de assistentes de voz. Embora a funcionalidade de busca por voz funcione de maneira diferente da busca por texto escrito. Quando alguém procura escrevendo num motor de busca, aparece uma lista com vários hiperlinks para sites. O algoritmo define uma lista de hiperlinks e o leitor tem a opção de escolher entre todas as opções que aparecem nas diversas páginas de resultados. Mas no caso dos altifalantes inteligentes, os assistentes de voz demorariam muito a apresentar os mesmos resultados. Então, o que acontece é que o algoritmo define um único resultado para o utilizador.

Portanto, usar a voz adiciona novas camadas de complexidade: tendemos a falar em texto não estruturado. Uma das coisas que torna a solução especialmente complicada para uma grande parte dos sistemas de IA, como o Alexa, é que os diferentes serviços do Alexa usam nomes distintos – ou slots – para os mesmos dados. Além disso, à medida que as interfaces de voz proliferam na vida das pessoas, os editores e outras organizações enfrentam uma nova equação estratégica: o nosso conteúdo é otimizado para pesquisa por voz? E, olhando mais para o futuro, como devemos indexar o nosso conteúdo para futuras formas de interação? Uma nova área de marketing já está a crescer. Voice Search Optimization (VSO) é o novo Search Engine Optimization (SEO), pois as empresas terão de considerar de que forma o seu conteúdo é entregue através de interfaces de conversação.

Grandes desafios a superar

Existem muitas dúvidas no que diz respeito à utilização e produção de conteúdo para dispositivos ativados por voz, mas as experiências estão a ser feitas e o interesse pela área está em crescimento, de forma consistente.

Ainda se levantam grandes questões sobre o que fazer, como fazer e como resolver os principais problemas e barreiras linguísticas.

As dificuldades são óbvias e levantam-se ao nível da identificação do melhor tipo de conteúdo, da forma de interagir com os utilizadores e no modelo de rentabilização dos conteúdos. Mas as diferenças de consumo nos interfaces de voz, comparadas com a interação escrita noutros canais de media, também são um grande desafio a ser dominado pelos produtores. Em termos de conhecimentos e capacidades necessárias para atuar nessa área, os especialistas apontam uma sólida formação em comunicação, mas com capacidades aplicadas à produção multimédia, algum domínio tecnológico e utilização intensiva de meios digitais.

Ética e privacidade também estão em discussão.

Mas o caminho está a ser trilhado para o desenvolvimento desta área e entender seu valor e potencial é de crucial importância para o jornalismo.

Os resultados completos do estudo estão disponíveis no relatório de investigação do NEWSREEL2 (https://newsreel.pte.hu/sites/newsreel.pte.hu/files/REPORT/newsreel2_research_report.pdf).

Foto: Pixabay See More

Original: https://newsreel.pte.hu/news/are_you_talking_me_voice_activated_devices_and_journalism

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