Jornalismo automatizado: reality check

Setembro 5, 2022 • Jornalismo, Jornalismo digital, Últimas • by

Por: Ana Pinto-Martinho e Miguel Crespo (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa)

Os processos de automação estão cada vez mais presentes no nosso dia a dia. Estes processos são agora transversais às profissões e práticas, e no jornalismo não é diferente.

O jornalismo automatizado, também conhecido como jornalismo algorítmico ou jornalismo de robôs, consiste em artigos de notícias gerados por programas de computador. Por meio de software de inteligência artificial (IA), as histórias são produzidas automaticamente por computadores, em vez de repórteres humanos. Estes programas interpretam, organizam e apresentam dados de forma legível aos humanos. O processo envolve um algoritmo que varre grandes quantidades de dados, seleciona a partir de uma variedade de estruturas de artigos pré-programadas, ordena pontos-chave e insere detalhes como nomes, lugares, valores, classificações, estatísticas e outros números.

Apesar de ser uma tendência crescente, ainda não existem muitos meios no mundo a trabalhar inteiramente com o jornalismo automatizado, não estando ainda implantado em larga escala.

Os pioneiros nesta área incluem meios como The Associated Press, Forbes, ProPublica e The Los Angeles Times. As primeiras implementações foram usadas principalmente para histórias baseadas em estatísticas e figuras numéricas. Os tópicos mais comuns incluem relatos desportivos, clima, relatórios financeiros, análise imobiliária e análises de lucros (Montal & Reich, 2016).

No projeto NEWSREEL2 tentamos entender o estado da arte no uso de IA, jornalismo de robôs e algoritmos em países como a Chéquia, Alemanha, Hungria, Portugal e Romênia, conversando com cinco jornalistas, um de cada país.

Oportunidades e desafios

O mundo do jornalismo automatizado abrange oportunidades e desafios. Por exemplo, o jornalismo automatizado pode libertar os jornalistas de reportagens de rotina, dando-lhes mais tempo para tarefas mais complexas e reportagens mais profundas. Também pode permitir eficiência e redução de custos, aliviando a carga financeira que muitas organizações de notícias enfrentam.

Mas o jornalismo automatizado também é reconhecido como uma ameaça à autoria e à qualidade das notícias e uma ameaça aos meios de subsistência de jornalistas humanos. Tudo isto porque a promessa de libertar mais tempo para trabalhos complexos como reportagens de investigação e análises aprofundadas de eventos, mencionada anteriormente, pode não se cumprir.

Assim, em geral, as principais críticas estão relacionadas com a autoria, a credibilidade, a qualidade e, olhando para outras atividades onde os humanos foram substituídos por máquinas reais ou virtuais, emerge sempre o tema do emprego.

Para Rui Barros, jornalista de dados português, uma das desvantagens do conteúdo produzido por IA pode surgir sempre que os leitores sintam que o texto é produzido por um algoritmo devido a “alguma inconsistência gramatical ou algum caso extremo que não foi pensado quando o produto foi desenvolvido”. Isto reforça a necessidade de supervisão e edição humana.

Steffen Kühne, da Alemanha, destaca outro problema específico que costuma acontecer numa redação, ligado à integração entre novos softwares e sistemas legados existentes: “Interfaces ou modelos de dados incompatíveis muitas vezes são responsáveis ​​por grandes custos de desenvolvimento e gestão. Treinar e implementar modelos de IA numa infraestrutura de cloud também pode ser bastante dispendioso e requer conhecimento aprofundado sobre como otimizar algoritmos para a velocidade, eficiência e estabilidade”.

Outra nota importante é a necessidade de transparência, no que diz respeito à forma como os algoritmos são usados ​​e ao modo como o trabalho automatizado é feito e ao seu objetivo de utilização. Isto está ligado ao jornalismo e à ética, bem como à confiança no jornalismo.

Embora existam muitos desafios no presente e no futuro, a introdução da IA ​​no jornalismo é crescente e projetos como o JournalismAI , da London School of Economics em parceria com a Google News Initiative, pretendem contribuir para uma utilização mais ampla e melhor da mesma, permitindo que as organizações de media explorem como podem usar tecnologias de IA para abordar uma série de desafios e apoiar uma rede crescente de quase 3.000 jornalistas em todo o mundo.

Verificação da realidade: cinco países, cinco estágios diferentes

Existem diferenças substanciais sobre a utilização e a evolução da IA ​​no jornalismo em diferentes países. Para aferir se a perceção das tendências globais de automação corresponde à realidade das redações nos países europeus, entrevistámos jornalistas de cinco países sobre IA e jornalismo, jornalismo de robôs e consequentemente algoritmos: Chéquia, Alemanha, Hungria, Portugal e Romênia.

Apesar das diferenças na evolução de cada país, ao nível da IA ​​e do jornalismo nas redações, a maioria dos nossos entrevistados concorda que o uso de tais técnicas nas redações será inevitável, sendo cruciais as competências e a alfabetização nestas áreas.

Dos cinco entrevistados, os da República Chéquia Alemanha e Portugal relataram que a IA está a ser usada nas suas redações. Este não é o caso nas redações dos nossos entrevistados que trabalham na Hungria e na Romênia. Mas, dos cinco, apenas um dos entrevistados se dedica mais especificamente a trabalhar com automação, todas os outros têm outras funções.

A maioria dos nossos entrevistados que trabalham com IA utilizam-na para relatórios automatizados, no sentido mais amplo, por exemplo, para cobrir muitas histórias que acontecem regularmente e onde os resultados podem ser quantificados (ser transformados em dados estruturados). Os exemplos mais comuns citados foram reportagens sobre desporto, economia, saúde, clima e informações de trânsito. Os entrevistados são unânimes sobre o potencial do uso de relatórios automatizados, mas alguns deles apontam que algumas histórias beneficiariam muito da edição humana e do trabalho de contexto.

Numa área em crescimento como esta, ter as competências certas é crucial. A maioria dos jornalistas que entrevistámos são autodidatas, por vezes lendo e procurando informação que os ajude a experimentar, pelo que é claro que esta é uma área onde há necessidade de formação. Ainda assim, segundo a maioria deles, os programas de formação deveriam ter vários níveis – do básico ao mais avançado – até porque a implementação da IA ​​nas rotinas das redações difere consideravelmente entre os países estudados.

Em geral, a importância e a inevitabilidade da IA ​​nas redações é reconhecida por todos os nossos entrevistados, embora o estágio em que se encontram as redações seja muito diferente de país para país. Os desafios que o jornalismo tem pela frente em várias áreas são grandes, com destaque para as implicações éticas, sociais e práticas na adoção da IA ​​nas redações. Mas o caminho está a ser trilhado por alguns meios de comunicação.

 

Agradecimentos especiais a Radka Matesová Marková (editora-chefe da Česká tisková kancelář – República Tcheca), Zsuzsanna Dömös (jornalista de tecnologia da 24.hu – Hungria), Steffen Kühne (líder técnico do AI + Automation Lab da Bayerischer Rundfunk – Alemanha ) e Rui Barros (jornalista de dados do Público – Portugal).

Os resultados completos do estudo estão disponíveis no Relatório de investigação do NEWSREEL2 (https://newsreel.pte.hu/sites/newsreel.pte.hu/files/REPORT/newsreel2_research_report.pdf).

Foto:PixabayMore

Original: https://newsreel.pte.hu/news/automated_journalism_reality_check

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