A Internet não é livre ou não-controlada. A sua infra-estrutura é propriedade de uma combinação de operadoras de comunicação móvel, políticos e empresários internacionais, alguns dos quais têm ligações criminosas, revela uma nova investigação.
Os investigadores descobriram que um conjunto de empresas que controlam uma grande parte do mercado escondem a identidade dos seus proprietários por trás de uma rede de empresas offshore e proxies. Através destas empresas offshore, a Internet – e o acesso público à informação – é muitas vezes controlada por indivíduos que enfrentam acusações de corrupção, evasão fiscal e fraude. A Internet pode também ser controlada pelo Estado, tal como aconteceu na Turquia e acontece agora na Coreia do Norte.
O estudo Who are the Gatekeepers of the Internet ? É baseado numa investigação detalhada sobre a propriedade dos Media por jornalistas e investigadores académicos. Utilizaram dados para mapear os maiores proprietários das infra-estruturas digitais (Internet, Cabo e Satélite) na Europa de Leste e Sul do Cáucaso, nomeadamente na Arménia, Bulgária, República Checa, Hungria, Roménia, Sérvia, Eslováquia, Eslovénia e Ucrânia.
Internet na Roménia, Sérvia e Ucrânia tem origem em paraísos fiscais
Na Roménia, os investigadores analisaram os 15 maiores fornecedores de serviços de Internet. Entre eles, encontramos empresas que efectivamente controlam a Internet na Roménia. Das 15 empresas, as identidades de dez proprietários foram escondidas atrás de complexas redes de empresas offshore (registadas em paraísos fiscais) e intermediários. As ligações entre estes proprietários e as suas empresas é revelado no website do Projeto. Gráficos detalhados no site revelam a identidade dos donos, bem como as suas redes de negócios e propriedade.
Os investigadores também descobriram que mais de dez das 15 empresas romenas estudadas têm ligações políticas e que quase metade dos prestadores de serviços de Internet (ISPs) (seis em 15) estão ligados a pessoas ou empresas que atualmente enfrentam acusações criminais relacionadas à fraude, oferta e aceitação de subornos, falsificação de documentos ou uso ilegal de propriedade do Estado.
Em comparação com os outros países estudados, a Roménia tem um particularmente elevado número de indivíduos e empresas envolvidas em processos criminais. É provavelmente um efeito de intensificação das acções de combate à corrupção e não de um nível mais alto de criminalidade, em comparação com outros países da Europa de Leste ou do Sul do Cáucaso. Uma imagem dos maiores proprietários de infra-estruturas de dados na Roménia pode ser encontrado na Figura 1.
Fig. 1. Os mais importantes fornecedores de comunicações electrónicas na Roménia. Imagem autorizada EurActiv.
Na Ucrânia, os 13 prestadores de serviços de comunicações analisados pelos investigadores pareciam, inicialmente, serem investidores estrangeiros. No entanto, a maioria dos fornecedores da Ucrânia é controlada por empresários ucranianos, operando através de empresas offshore no Chipre ou nas Ilhas Virgens.
Quase metade das empresas analisadas na Ucrânia têm obscurecido a sua propriedade. O líder de, pelo menos, uma das maiores empresas de telecomunicações do país tem sido associado pela polícia a redes criminosas.
Embora existam alegações sobre negócios ilegais de alguns proprietários dos ISP, não foram identificados laços fortes com as pessoas ou empresas com processos criminais pendentes. As três maiores empresas de fornecimento de Internet na Ucrânia estão representadas na Figura 2.
Fig. 2.Principais fornecedores de comunicações eletrónicas na Ucrânia. Imagem autorizada EurActiv.
Dos dez maiores fornecedores de serviços de Internet na Sérvia, quatro têm escondido a sua propriedade. “É interessante que muitos ISPs nacionais operem em segredo, dado o seu acesso irrestrito aos dados altamente pessoais dos utilizadores. Enquanto as instituições do Estado controlam o uso e a partilha de dados, elas não parecem muito interessadas em quem detém os ISPs, alguns dos quais desaparecem num labirinto de empresas offshore, proxies e advogados que ocultam os verdadeiros donos”, afirmam jornalistas sérvios.
Na Arménia e na Bulgária os jornalistas identificaram ligações russas à propriedade dos ISP; na Moldávia, o Estado está a controlar uma grande parte do mercado; na Sérvia, um dos ISP apareceu nos arquivos de Edward Snowden.
Através de dados concretos e da análise de propriedade dos ISP numa região sensível, a equipa de jornalistas e investigadores pretende colocar na agenda pública a propriedade e o acesso aos dados na Europa Oriental e do Sul do Cáucaso.
Por que razão é importante a informação relativa aos proprietários dos media?
Participaram neste projecto jornalistas de investigação de duas redes internacionais: o Organised Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) e o Projeto RISE, que se especializaram no rastreio de ligações financeiras entre a política, a criminalidade organizada e os negócios aparentemente legítimos. Eles basearam-se principalmente na informação disponível ao público em países onde a legislação de liberdade de informação está firmada.
Num artigo publicado no Romanian Jounal of Journalism and Communication , Manuela Preoteasa e Andrei Schwartz, dois dos investigadores que participaram no estudo, explicam a importância de saber quem detém as empresas que controlam o acesso à informação e à opinião. “A Internet tornou-se a ferramenta de comunicação mais importante do mundo”, escrevem eles.
“A infra-estrutura da Internet, composta pelos fornecedores de Serviços da Internet (ISP) e as suas interligações globais, ilustra uma série de capacidades técnicas que têm o potencial de infringir (…) as liberdades [de expressão e informação].”
As transações bancárias através da Internet estão a crescer. A polícia e o Ministério Público comunicam utilizando as infra-estruturas das telecomunicações. A comunicação política e o acesso informação relativa a empresas e produtos é realizada via Internet. No entanto, apesar da sua importância, sabemos muito pouco sobre quem controla as redes. Preoteasa e Schwartz salientam situações de preocupação relacionadas à propriedade e controlo das infra-estruturas da Internet, fazendo também diversas recomendações:
1 – A possibilidade do detentor de ISP’s limitar ou bloquear o tráfego de um determinado fornecedor de conteúdos a um público específico.
2 – A liberdade de expressão, protegida por leis de vários países da intervenção estatal, está potencialmente vulnerável às intervenções de instituições comerciais.
3 – Para limitar os abusos de liberdade de expressão, tais como os discursos de incitamento ao ódio, terá que ser criada uma organização público-privada, interligando a visão do Governo ou do Parlamento com as aptidões técnicas dos ISPs, de modo a bloquear o acesso a um determinado website.
4 – A colaboração público-privada é utilizada, no entanto, para limitar ou banir as vozes de opositores políticos na Internet – e existem exemplos de recentes abusos em países com regimes autoritários ou semi-autoritários.
5 – Ao nível internacional, não existem iniciativas reguladoras para certificar a existência de uma Internet segura e livre para todos os utilizadores. As iniciativas são restritas a alguns países europeus ou aos EUA, como, por exemplo, é o caso da legislação sobre a neutralidade da Internet.
Baseados nestas considerações e na já existente literatura acerca da propriedade dos media, Preoteasa e Schwartz sugerem três conceitos-chave para analisar os proprietários das infra-estruturas das telecomunicações:
1 – Transparência das estruturas de propriedade (quão fácil é para o cidadão comum saber quem possui o controlo da sua ligação à Internet),
2 – Filiação política e
3 – Ligação a outros grupos de interesse.
“Para ser claro, identificar quem são os proprietários dos canais de Media e qual a natureza dos seus interesses não significa identificar a sua interferência na actividade editorial de um canal”, escrevem Preoteasa e Schwartz.” “Tal intrusão é um caso de “domínio” que, precisando de ser atestado, necessita de uma prova final de que existe uma ordem para modificar a política editorial de uma determinada forma.”
O relatório conclui que juntar dados sobre a propriedade dos media é crucial para manter o público informado, salientar potenciais riscos e manter a transparência da indústria. Este processo também permitirá a criação de salvaguardas contra potenciais violações de direitos fundamentais, tais como a liberdade de expressão ou a sua extensão, a liberdade de informação.
O trabalho neste projecto continua e o relatório final incluirá dados sobre 12 países da Europa de Leste e Sul do Cáucaso: Arménia, Bulgária, Geórgia, Hungria, Croácia, República Checa, República da Moldávia, Roménia, Sérvia, Eslováquia, Eslovénia e Ucrânia.
Alguns destes dados já se encontram disponíveis no website do Projecto.
O Relatório é parte do Projecto “Who are the Gatekeepers of the Internet?”, do Projecto “ EurActiv Romania, Rise Project and the Organized Crime and Corruption Reporting”, com o apoio financeiro da Knight Foundation e do “German Marshall Fund/the Black Sea Trust”.