Se tivermos em conta que vivemos numa sociedade cujas rotinas estão cada vez mais relacionadas com os meios de comunicação social e onde as culturas têm vindo a sofrer alterações consequentes desta nova forma de viver, afigura-se-nos relevante que o cidadão se inteire por completo de todo esse ambiente mediático que o rodeia.
De acordo com o livro Comunicação e Educação na Sociedade da Informação: Novas linguagens e consciência crítica (2000), de Pérez Tornero, renomado investigador e Professor na Universidade Autónoma de Barcelona, o novo século traz consigo mudanças significativas nas relações sociais. O investigador explica que a Humanidade passou muito rapidamente de um panorama em que dispunha de poucos sistemas simbólicos, para um panorama que possibilita a multiplicação das potencialidades abstratas de todos os códigos que usa, em que grande parte das comunicações passaram a ser feitas à distância, dando origem a um fenómeno a que Anthony Giddens, no livro The consequences of Modernity (1990), chamou de deslocalização. Com esse fenómeno, as comunicações tradicionais – o tempo e espaço até então conhecidos – dão lugar a novas situações, tais como o tempo e os espaços virtuais. Kerckhove, em A Pele da Cultura (1997), acrescenta que os avanços tecnológicos trouxeram às civilizações um novo modo de viver e conviver, que prima por um presentismo e pela comunicação instantânea, que não espera pelo encontro físico, que se dá através de aparelhos eletrónicos, que funcionam quase como prolongamentos do corpo, permitindo que se chegue a qualquer parte do mundo em meros segundos. Pela comunicação possibilitada pela tecnologia, o mundo de hoje está conectado. As culturas convergem para um patamar cada vez mais próximo, havendo uma modificação na identidade local, que passa a ser cada vez mais global. Além disso, os meios de comunicação social apresentam-se cada vez mais como mediadores das relações humanas e como fontes de construção da atualidade.
O presente cenário social levanta então questões que têm a ver com a preparação do cidadão contemporâneo para a (sobre)vivência numa sociedade freneticamente envolvida pelos media. É neste contexto que a literacia mediática ganha forma e relevância, tornando-se numa competência essencial na medida em que se refere à capacidade de aceder aos meios de comunicação social, de os compreender no seu todo, de os avaliar criticamente e de gerar conteúdos mediáticos, criando espaços de comunicação e participação em diferentes contextos (Recomendação da Comissão Europeia, 2009/625/CE). Segundo, ainda, a Recomendação da Comissão Europeia “a literacia mediática é uma questão de inclusão e de cidadania na sociedade da informação de hoje. É uma competência fundamental, não só para os jovens, mas também para os adultos e as pessoas de idade, pais, professores e profissionais dos meios de comunicação social.”
Segundo Gutiérrez & Tyner (em ‘Educación para los medios, alfabetización mediática y competencia digital’, 2012), a literacia mediática e o ambiente escolar interligam-se pela obrigação que a escola tem de acompanhar as evoluções sociais e preparar o indivíduo para a vida prática e para os desafios inerentes a ela. A este propósito, em 2006, o Parlamento Europeu e do Conselho publicou uma Recomendação (18 de Dezembro de 2006 (2006/962/CE) sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida. Segundo a recomendação, é necessário criar recursos de inclusão dos media no contexto escolar: “Numa altura em que a globalização continua a lançar novos desafios à União Europeia, cada cidadão terá de dispor de um amplo leque de competências essenciais para se adaptar com flexibilidade a um mundo em rápida mutação e altamente interligado. À educação na sua dupla função – social e económica – cabe um papel essencial para assegurar que os cidadãos europeus adquiram as competências essenciais necessárias que lhes permitam adaptar-se com flexibilidade a estas alterações”.
Em Portugal, o Conselho Nacional de Educação (CNE), aproveitando um tempo de reflexão e revisão curricular dos ensinos básico e secundário, elaborou uma Recomendação sobre a Educação para a Literacia Mediática (Diário da República, 2.ª série — N.º 250 — 30 de Dezembro de 2011) com o objetivo de sugerir, ao Governo e à Assembleia da República, medidas para a promoção efetiva da literacia mediática. No obstante, e de acordo com Pinto et al (no livro Educação para os Media em Portugal: Experiências, Atores e Contextos, 2011:149), a educação para os media no nosso país, até a data, apresentava ainda “um panorama geral fragmentário, sem direção, de avanços e recuos e sem grandes horizontes”. As práticas resultantes das Recomendações Governamentais ganhavam um carácter mais individual, disperso e não-formal.
No entanto, em abril de 2014, O Ministério da Educação lança o primeiro Referencial de Educação para os Media com propostas de temas, objetivos e resultados de aprendizagem, a serem aplicadas no âmbito da disciplina de Educação para Cidadania. A publicação deste referencial revelou-se como um grande avanço relativamente às políticas públicas, lançadas em prol da Educação para a Literacia Mediática, trazendo, assim, novos horizontes relativamente à temática.
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