A Hungria de Viktor Orbán

Dezembro 17, 2014 • Média e política • by

Muito se tem falado, pelo menos por parte de alguma da imprensa internacional, de um crescente défice democrático que tem vindo a singrar na Hungria. Em evidência, nos media tradicionais internacionais e por entre a Sociedade em Rede, relatos e imagens de manifestações, cada vez mais frequentes, contra as políticas ultraconservadoras do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. No decorrer do último trimestre do corrente ano, o descontentamento e a indignação motivaram a saída à rua, por várias vezes, de milhares de húngaros contestatários.

Argumentos como um projeto de lei para 2015, que pressupunha a aplicação de uma taxa sobre a Internet por gigabyte de dados consumidos, ou ainda as acusações realizadas ao governo de Orbán pela anuência à corrupção na administração pública húngara e uma constante aproximação ao Kremlin de Putin (a já apelidada “putinização”), levaram a Hungria às primeiras páginas dos jornais.

O próprio primeiro-ministro húngaro terá assumido o seu anseio na criação de um Estado democrático não liberal (“Iliberal”), defendendo os ideais e as riquezas nacionais. Tomou como modelos governamentais a atual Rússia de Putin, Turquia de Erdoğan e China de Xí Jìnpíng.

Como resultado da presente contestação social, e/ou de uma pressão internacional ou ainda como parte da estratégia governamental de Orbán, verifica-se para já um recuo perante a aplicabilidade da referida taxa de Internet. Contudo, o governo húngaro prevê a realização de um referendo, sobre esta temática, já para 2015. A anteriormente denominada de República da Hungria seria o primeiro país a taxar a Internet.

Verifica-se igualmente por parte da Hungria de Orbán, um incerto posicionamento geoestratégico face à Rússia de Putin. Por um lado, assume-se como uma das nações órbita, com a adoção de modelos governativos e com críticas às sanções impostas; por outro lado adota uma tomada de posição contrária ao Kremlin, nomeadamente face às apropriações territoriais à sua vizinha Ucrânia. A herança soviética está ainda muito presente na memória do povo magyar. Só o futuro dirá, se o conluio entre Putin e Orbán não sairá prejudicado com as indefinições de posicionamento da Hungria. Para já, e no centro da controvérsia fica o cancelamento, recentemente divulgado, do gasoduto “South Stream” que transportaria o gás natural russo para a Europa central e do sul através do Mar Negro, Bulgária, Sérvia e Hungria, a partir de 2015.

Ainda da atualidade, e tendo a Hungria de Orbán como foco, fazem parte as recentes e controversas declarações do senador norte-americano John McCain, demonstrativas de uma preocupação crescente face às atuais configurações politicas da Hungria. O senador republicano pelo estado do Arizona afirma que, desde 2010, desde que o primeiro-ministro húngaro chegou ao poder, inúmeras mudanças constitucionais antidemocráticas foram promulgadas, a independência dos tribunais foi colocada em causa e a liberdade da imprensa cerceada.

Segundo a imprensa internacional, na atual Hungria de Orbán, aplica-se a censura, calando-se os media opositores ao governo, encerrando-se rádios independentes e despedindo-se centenas de jornalistas dos meios de comunicação social públicos.

Opiniões contrárias surgem, como as veiculadas por Szabolcs Toth, no seu artigo “Hungary: Western Investors Damaged Our Free Press” onde crítica, satirizando, com a generalidade da opinião pública internacional, por associar as práticas de censura à imprensa russa à realidade húngara. No mesmo artigo deixa subjacente a desresponsabiliza, o governo de Viktor Orbán de quaisquer comportamentos censuradores da imprensa livre. Igualmente incute responsabilidades maiores aos investidores ocidentais pela deterioração da imprensa livre húngara. Contextualizando, Szabolcs Toth é jornalista e editor da publicação Magyar Nemzet, um jornal pró governo de direita.

No decorrer da primeira quinzena do mês de dezembro foi comunicada, pelo grupo parlamentar do Fidesz, com maioria de dois terços do total de assentos em parlamento, uma nova proposta de lei que visa obrigar crianças entre os 12 e os 18 anos de idade, a realizar testes de consumo de drogas. Da mesma proposta fazem parte testes a políticos e a jornalistas. Está prevista a discussão em parlamento, da referida proposta, em fevereiro de 2015.

As preocupações por parte do Parlamento Europeu, relativamente à Hungria, já haviam sido alvo de atenção em 2012, aquando da aprovação de um relatório sobre direitos fundamentais na Hungria (aprovado na comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos), pertencente ao ex-deputado europeu Rui Tavares (atual líder do Partido Livre). No seu relatório Rui Tavares salienta o seguinte ponto, nas recomendações às autoridades húngaras, disposto na alínea – Meios de Comunicação Social e Pluralismo:
– “Respeitar, garantir, proteger e promover o direito fundamental à liberdade de expressão e de informação, bem como a liberdade de imprensa e o pluralismo, e abster-se de desenvolver ou apoiar mecanismos que ameacem a liberdade de imprensa e a independência jornalística e editorial”.

Revestida de polémica foi igualmente a nomeação de Tibor Navracsics, membro do partido húngaro Fidesz, para Comissário Europeu da Educação, Cultura, Juventude e Desporto, para o período compreendido entre 2014 e 2019. A controvérsia focou-se essencialmente na forma como o governo atual húngaro, controla as liberdades civis e políticas.

Como referiu o escritor e investigador Rudolf Ungváry, na sua obra – “Invisible Reality. The Fascistoid Mutation in Contemporary Hungary” (2014):
– “a Hungria tem características evidentes de um sistema fascista, não sendo apenas e somente um “Estado Mafioso”, dirigido por cleptocratas”.

Distante das manifestações de apoio eleitoral, que em 2002, levaram a um governo de coligação de esquerda – MSzP e SzDSz, e que deram a derrota ao Fidesz, revivo, por viver em Budapeste no momento, a apropriação das tecnologias da altura, e as mensagens escritas em telemóvel que mobilizavam massivamente apoiantes, de ambos os partidos, para ajuntamentos partidários. Atualmente verifica-se, a par do que se vai passando um pouco por todo o mundo, da apropriação das tecnologias atuais para a realização de oposição e mobilização de contestatários. A Sociedade em Rede, nomeadamente as redes sociais online (Web 2.0), são hoje um forte instrumento nas mãos dos que estão contra o governo de Viktor Orbán. Talvez seja por isso importante, para Orbán, taxar a Internet e calar jornalistas.

Créditos da fotografia: Károly Rajnai

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