Pandemia acelerou mudanças nos media e nos padrões de consumo

Junho 11, 2020 • Investigação, Jornalismo, Média e política, Negócio, Últimas • by

Afirmação do poder das grandes plataformas internacionais, aceleração da mudança nos media e mudanças nos padrões de consumo dos media, estes são alguns dos pontos salientados pelos relatórios realizados pelo Obercom, para compreender o impacto da Covid-19 no ecossistema dos media em Portugal.

O conjunto de impactos da crise pandémica sobre os ecossistemas mediáticos português e global apresenta efeitos duplamente perversos: por um lado, trouxe sérios constrangimentos financeiros para todos os sectores, em particular o da imprensa, que luta(va) ainda para se desligar do impacto da crise económica de 2008, nos termos da sua subsistência e, por outro, o jornalismo torna-se neste contexto mais importante do que nunca na triagem dos factos e das consequências que a crise sanitária teve, tem, e terá na vida dos portugueses.

Com o espoletar da crise pandémica, o OberCom – Observatório da Comunicação, iniciou de imediato um projeto de investigação no sentido de compreender a evolução da situação no campo dos media e de disponibilizar, com a maior rapidez possível, essa informação para academia, indústria e público em geral. O resultado deste trabalho foram dois documentos, duas edições distintas. O primeiro, lançado em início de Abril, abordando os impactos imediatos nos diferentes sectores e o segundo, lançado sensivelmente um mês depois, a dar conta de novas evoluções e verificar se tendências observadas no primeiro documento se haviam mantido, desaparecido ou intensificado.

Independentemente das perdas que se observaram nos sectores da imprensa, televisão, rádio, cinema e internet, cedo se percebeu que os efeitos sentidos nestes sectores dependeriam em larga medida das dinâmicas verificadas no mercado publicitário, uma espécie de macro-sector do qual todos os outros campos dos media e da comunicação dependem. Na segunda edição do projeto viriam a confirmar-se os números negros para a publicidade a nível global, mas também a perceção de que o mercado digital irá recuperar de forma mais célere. Se esta é uma boa notícia, poderá também implicar outras mudanças ao nível dos media digitais.

Aceleração das mudanças estruturais no sector dos media

No grande plano digital, esta crise motivou alterações que poderão permitir, no futuro próximo, a consolidação do poder das grandes plataformas transnacionais. Ainda que tenham perdido em proporção com todos os outros players da mediação, o facto de controlarem infraestruturas de distribuição de conteúdos francamente desenvolvidas, de forma monopolista, dar-lhes-à a vantagem de recuperar de forma mais ágil e, portanto, de consolidarem o seu poder sobre o sector, ao nível económico, político e social.

Entre as principais conclusões obtidas no contexto deste projeto, há a destacar uma primeira, que se tornou óbvia no imediato: de que a crise pandémica iria acelerar de forma muito significativa as mudanças estruturais a ocorrer no setor dos media em Portugal. Seja através da urgência na migração do financiamento do jornalismo para modelos digitais, na adaptação da televisão à crescente plataformização do entretenimento ou nas alterações dos hábitos de mobilidade de que a rádio depende, houve uma junção de fatores que acentuou de forma significativa as anteriores fragilidades do universo dos media em Portugal.

Mudanças no consumo de media fora e dentro de casa

Por outro lado, houve mudanças significativas ao nível dos mindsets de consumo de media fora de casa e, sobretudo, dentro de casa. Com significativos power shifts a ocorrer em simultâneo, houve uma mudança muito interessante ao nível dos campos de ação dos diferentes players, com os consumos móveis a transitar para dentro de casa, com players novos a conquistar novos espaços, ecrãs e horários, verificou-se toda uma alteração ao nível da distribuição de poder pela audiência.

A crise laboral

Com a crise laboral no jornalismo que, como foi referido, já vinha de trás, os media noticiosos foram particularmente afetados pela simultaneidade da quebra acentuada das receitas publicitárias e da circulação impressa. Muito dependentes de receitas tradicionais e ainda com modelos de negócio digital frágeis, a grande maioria dos media noticiosos viria a enfrentar imediatamente estes problemas havendo, por exemplo circunstâncias mais agudas em alguns órgãos de comunicação social como o Grupo Globalmedia, que recorreu ao layoff de jornalistas e outros trabalhadores. O relatório procurou também dar conta da situação da imprensa local e regional, de grande importância neste contexto atual mas frequentemente esquecida nos termos da sua importância e contributo para a diversidade do jornalismo português.

Mudanças na utilização do espaço público afetam o panorama mediático de diversas formas

A mudança de paradigmas de sociabilidade e de utilização do espaço público afetou toda uma esfera mediática ligada à necessidade de ajuntamento de públicos de forma física. O cancelamento de eventos da mais diversa ordem afetou, por consequência, toda a esfera mediática que depende da sua cobertura para construção de narrativas. O cinema é particularmente afetado não só pelo encerramento das salas de cinema mas, também, pela ainda recusa em compreender que o grande ecrã compete hoje com outros ecrãs e outros atores relevantes que continuam a permitir que os espectadores fiquem em casa, sem que para isso sacrifiquem a qualidade da sua experiência audiovisual.

Todos estes fatores se conjugam liminarmente na incerteza causa pela indefinição de políticas económicas a nível nacional e da União Europeia. Os esforços anteriores de fortalecimento do ecossistema mediático, de que a democracia depende, revelaram-se e revelam-se insuficientes perante uma crise desta magnitude e poderá acontecer que este seja o mote para finalmente surgirem estruturas regulatórias e legislativas que regulem, de forma eficaz, o mercado dos media e equilibrem o poder dos seus diversos agentes.

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