Um jornal online algo diferente foi lançado em Itália. Gli Stati Generali é uma start-up jornalística, com uma forte componente ao nível das Tecnologias da Informação. A diferença entre este jornal e os demais reside no seu modelo de negócio: os colaboradores são pagos de acordo com a atenção e o interesse gerados pelos seus artigos online. O desempenho é medido através de um algoritmo interno que também determina, e recompensa, os artigos com melhor desempenho em cada mês.
A Gli Stati Generali (i.e., “Assembleia do Povo”) é uma plataforma online baseada em publicidade digital nativa, com uma rede de colaboradores, autores e escritores, apelidados de “brains” (i.e., “cérebros”). Esses “cérebros” incluem não apenas os jornalistas, mas também especialistas em política, tecnologia, cultura, inovação e economia, bem como investigadores universitários e bloggers. Cada “cérebro” tem o seu perfil público, onde pode publicar de forma independente, sem filtros editoriais. Ao nível da gestão, o Gli Stati Generali actua como curador, supervisionando a organização e apresentação da rede de conteúdos gerada pelos “cérebros”.
Para além destes conteúdos, os gestores publicam diariamente um ou dois artigos de fundo que são requeridos a jornalistas freelancers profissionais, remunerados de acordo com o esquema clássico de trabalho de freelance. Jacopo Tondelli, co-fundador e ex-editor executivo de outro jornal online italiano, Linkiesta, afirmou que o espaço criado para os “cérebros” é mais adequado “para aqueles que querem participar na Informação, mas que não são jornalistas profissionais. No Gli Stati Generali estamos de acordo sobre o facto de que os jornalistas devem ser pagos pela informação que produzem. O nosso modelo é de ‘duas pernas’: por um lado, o jornalismo clássico que comissionamos; por outro, a avaliação dos conteúdos gerados pela rede de ‘cérebros’”.
O jornal criou um algoritmo interno: o Interest Rank
A inovação de Gli Stati Generali encontra-se na segunda parte deste modelo, a avaliação dos “cérebros”. Os técnicos de informação do jornal criaram um algoritmo interno, o Interest Rank. Este algoritmo proprietário monitoriza o desempenho de cada artigo publicado pelo “cérebro” nos dez dias após a sua publicação, medindo tanto o número de utilizadores online abrangidos como a atenção e o envolvimento gerados pelo artigo. Este modelo pode não parecer muito inovador uma vez que, tal como Digiday apontou, outras publicações experimentam desde há alguns anos formas de compensação dos jornalistas com base no desempenho de seus artigos – estando a Forbes a conduzir este caminho desde 2012.
O director da Forbes.com, Lewis Dvorkin, criou e supervisionou uma rede de cerca de 1000 colaboradores que apelidou de entrepreneur journalists (i.e., “jornalistas empreendedores”), freelancers cujo sucesso depende de seu desempenho online. Muitos deles têm um contrato com a Forbes para um determinado número de posts a divulgar mensalmente, pelo qual recebem uma compensação-padrão, cujo valor é muito baixo; este é então complementado com base no desempenho online dos seus artigos.
Dvorkin está convencido de que essa troca é justa, uma vez que alguns dos autores conseguem ganhar quantias substanciais, enquanto outros, muitas vezes jornalistas não profissionais, terão a Forbes.com como uma plataforma que fornece visibilidade e oportunidade – o que significa que estes últimos estarão “a construir marcas individuais e comunidades em torno de seu nome.”
Foi desenvolvido um elemento exclusivo de “gamificação” – com uma competição mensal
Em algo semelhante ao que acontece com a Forbes.com e outros jornais, a Gli Stati Generali criou um novo modelo de remuneração através do desenvolvimento de um elemento de “gamificação” do trabalho jornalístico. Os “cérebros” não apenas recebem pagamentos pré-determinados, que serão complementados com base nas avaliações realizadas através do Interest Rank, como participam numa competição mensal; no final, o algoritmo determina os vencedores. Os artigos publicados pelos “cérebros” competem por dois prémios mensais: o relativo à “Melhor Leitura” e o que concerne ao “Melhor Autor” – um para o artigo mais “eficaz” e o outro para o autor que gerou o maior “interesse”. Tondelli acredita que a coisa mais importante é que um autor “seja capaz de atrair a atenção, ao invés de gerar cliques”. Cada categoria concede três prémios, no valor de 250, 150 e 100 Euros cada. “Com o crescimento da plataforma e dos lucros, pretendemos ampliar e elevar as compensações, mas vamos manter a lógica da competição. É melhor pagar cinco euros a 50 autores ou 250 Euros a um autor? Estamos convencidos de que é melhor pagar muito mais por apenas alguns artigos bem escritos do que pagar muito pouco para todos os artigos, tendo como base o desempenho gerado. Se tivéssemos os números que a Forbes tem, estou convencido de nosso mecanismo iria redistribuir mais do que o deles”, afirmou Jacopo Tondelli.
Quando lhe perguntei se esta forma de “gamificação” de trabalho jornalístico acarretaria o risco de extremar a lógica do jornalista empreendedor e auto-motivado, sobrecarregando-o com todo o peso e responsabilidade para o seu sucesso, Tondelli afirmou: “foram as relações entre o capital e trabalho que geraram o jornalista empreendedor, e não nós, na Gli Stati Generali”.
O jornal está a ajudar à alteração das tradicionais formas de medição do valor do trabalho
O caso de Gli Stati Generali representa mais um passo em direcção à alteração das tradicionais formas de determinação do valor do trabalho. Neste modelo, o trabalho não é compensado pelo simples facto de ser sido realizado, apenas se traduzindo em valor económico se tiver um impacto (mensurável) sobre os leitores. Um algoritmo, e já não o valor da hora de trabalho pré-determinado pelos sindicatos, define o limite máximo do valor do trabalho. Estamos, assim, a assistir a uma alteração na determinação do preço da mão-de-obra, substituindo o tempo investido em pesquisa e na escrita de peças pelo efeito que esse trabalho tem sobre o público.
Esta mudança em curso no trabalho criativo e intangível foi criticamente apontada por um grupo de artistas austríacos, criadores da instalação Bitcoincloud, a fim de tematizar o valor da produção artística. O trabalho assenta uma relação directa entre a atenção que recebe e o seu valor de mercado: quanto maior a audiência, maior o seu valor (em termos de bitcoins recebidos pelo criador). A arte é muitas vezes capaz de ver além do presente. Quem sabe, talvez a Bitcoincloud poderá estar certa: os futuros jornalistas e trabalhadores criativos, em geral, poderão ser pagos com dinheiro alternativo, ganho com base na atenção recebida pelo seu trabalho. Mas se todo jornalista fosse um empreendedor, tivesse uma marca para gerir e um público a manter, os jornais deixariam de ser necessários. Em vez disso, os jornalistas ainda são necessários – mas que tarefa cansativa (e que oportunidade) terem que ser, simultaneamente, o seu próprio jornal.
Traduzido do Inglês.
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