Nos últimos anos, os smartphones já têm sido abundantemente usados pelos jornalistas para a rádio, para os sites e redes sociais e – à medida que as câmaras têm vindo a melhorar – também para a televisão. Mas, à medida que o jornalismo mobile começa a ser mais utilizado, as escolas e universidades começam agora a integrar essa disciplina específica nos seus currículos.
A primeira instituição a fazê-lo aqui na Austrália foi o Macleay College, que juntou o jornalismo mobile aos seus bacharelato e licenciatura em jornalismo no ano de 2015. Eu participei na docência do mestrado em jornalismo do Macleay College em 2017. Ao longo de 12 semanas, os alunos puderam aprender sobre fotografia mobile, captura de vídeo, edição para televisão e para as redes sociais, criação de podcasts e live-streaming.
Para garantir que as ferramentas usadas no curso eram as mais atualizadas, falei com vários jornalistas em vários pontos do globo sobre a forma como integram os conteúdos mobile no processo de trabalho das suas redações. Por isso, a seguir, aqui ficam as lições mais importantes que aprendi para os educadores ou as redações interessadas em melhorar os padrões do seu jornalismo mobile.
1. As aplicações não são brinquedos
Há dezenas de aplicações para edição de foto e vídeo, destinadas aos consumidores finais, que são fáceis e rápidas de usar.
Mas as aplicações profissionais, concebidas especificamente para os jornalistas, são peças de software mais complexas, que por acaso correm em mobile, mas exigem mais tempo e esforço para dominar.
Como o Filmic Pro (IOS), uma poderosa app que permite o controlo manual da frame-rate, da temperatura de cor, do foco, da exposição, do balanço de brancos e até lhe permite filmar em modo “LOG”.
Ou o Luma Fusion (apenas para IOS), que tem por objetivo replicar muitas das funções dos sistemas de edição desktop, como o Final ut ou o AVID. Ou mesmo o Ferrite (também apenas para IOS), que transforma o seu smartphone num verdadeiro estúdio de som para fazer programa de rádio e podcasts.
Estas apps valem a pena? Bem, Eleanor Mannion, da estação irlandesa RTE usou o Filmic Pro para produzir um documentário de uma hora em 2016, intitulado “The Collectors”. E a sua colega jornalista Hiromi Mooney, também da RTE, usa o Filmic Pro para filmar e depois o Luma Fusion para editar reportagens como esta.
Portanto, se estiver apenas a ensinar os elementos básicos do jornalismo audiovisual a principiantes, pode começar pelas apps mais básicas, que já cobrem os elementos fundamentais. Mas num curso mais longo e mais profundado, aproveite para abordar também as aplicações mais sofisticadas e demonstrar como elas podem ser colocadas de imediato ao serviço dos jornalistas.
2. Escolha o “kit” certo para o que pretende
Existe uma panóplia cada vez maior de equipamentos destinado ao jornalismo mobile – tripés, lentes, estabilizadores, drones, etc.- e a sua escolha pode uma influência importante no resultado final.
No entanto, muito desse equipamento é dispendioso e, quando atingimos valore na casa dos 2000 euros, já estamos no limiar de preço de uma câmara de televisão profissional.
Por isso, em vez de comprar a última novidade do mercado, procure escolher o seu equipamento de acordo com aquilo que a sua audiência espera de si. O que procura é ter na redação uns quantos kits de jornalismo mobile dotados de alta qualidade e muitas potencialidades? Ou prefere que todos os jornalistas sejam capazes de criar o seu próprio conteúdo mobile?
Qualquer que seja a sua opção, deve reunir o essencial para ultrapassar aquelas que são as três principais limitações do vídeo amador: a filmagem tremida, o “ruído digital” gerado nas filmagens em condições de fraca iluminação e o áudio qualidade inferior. Isso significa, pelo menos, um tripé ou algo equivalente, um microfone externo ou de lapela e uma iluminação adicional ou um refletor para trabalhar em interiores.
Já agora, uma pesquisa feita em 2017 concluiu que os entrevistados se sentem menos pressionados e nervosos quando falam para um smartphone do que quando o fazem em frente a uma câmara de televisão. Mas, em contrapartida, também não parecem encarar o smartphone como uma ferramenta de trabalho a sério.
Os meus alunos concluíram o mesmo quando estiveram a realizar entrevistas nas ruas de Melbourne, mas perceberam que, a partir do momento punham o smartphone num tripé e esta passava a assemelhar-se a uma câmara “a sério”, esse problema desaparecia.
3. Os erros mais comuns são os mais fáceis de resolver
Nós nem sonharíamos pôr uma sofisticada câmara DSLR num saco sujo. E muito menos pegar nela e começar a filmar sem limpar a lente. Mas a verdade é que os nossos smartphones andas constantemente no bolso ou na mala e estão sempre cheios de dedadas.
Por isso, basta limpar cuidadosamente as lentes frontal e traseira do seu smartphone antes de começar a filmar para evitar tomadas de imagem com névoa ou turvas.
Outro erro muito comum é esquecer-se de bloquear a focagem e a exposição entre de começar a filmar. Num iPhone isso é tão simples como pressionar com o dedo no ecrã até aparecer a amarelo uma informação “Bloqueio AE/AF”. Se fizer isto para todas as suas tomadas de imagem, o objeto estrará sempre focado e a exposição ficará constante ao longo da filmagem.
Por fim, muitos dos meus alunos também descobriram que – tanto em IOS como em Android – a filmagem em smartphones tende a perder a sincronização com o áudio – Este problema tende a agravar-se tanto mais quando mais longa for a gravação, o que o torna particularmente relevante em entrevistas. Alguns sistemas desktop – como o Premiere Pro – parecem ser capazes de resolver estre problema.
Por outro lado, se, nas entrevistas mais longas, parar e reiniciar a gravação a cada seis a oito minutos, os problemas de sincronização serão minimizados. E se optar por usar um sistema desktop para editar as suas imagens, o Final Cut Pro parece ser o menos vulnerável aos atrasos do áudio em relação ao vídeo.
4. O mais importante é o processo de trabalho
Há duas outras questões operacionais que devem ser tidas em conta quando estamos a escolher as aplicações e o kit de jornalismo multimédia que vamos usar, de forma que o conteúdo gerado pelos repórteres possa ser facilmente integrado no processo de trabalho da redação, o que pode implicar com os formatos a utilizar e com os estilos de fontes e imagens.
Primeiro, o conteúdo em causa é para ser transmitido na televisão ou na rádio, ou vai ser usado sobretudo online e nas redes sociais? E, segundo, a organização tem condições para investir em smartphones e apps para todos os jornalistas ou espera que eles usem os seus próprios smartphones e comprem as suas próprias apps?
Vejamos o exemplo do video. Um vídeo que se destina à TV precisa de ter em conta o frame-rate. Nos países PAL – que correspondem à maior parte da Europa e Austrália – isso significa filma, idealmente, com uma frame-rate de 25 ou 50 frames por segundo (fps) e não os 30 ou 60 fps que vigoram nos países NTSC, como os Estados Unidos.
A câmara nativa do iPhone filma a 30 fps, pelo que os jornalistas das estações de televisão europeias precisam de uma app de captura de vídeo que permita o ajuste manual da frame-rate, como a Filmic Pro ou a Kinomatic.
O sistema de edição a usar, por seu lado, também precisa de ser compatível com PAL ou NTSC. A Luma Fusion e a Kinemaster são duas apps que conseguem guardar um ficheiro final compatível com PAL, mas a Luma Fusion é a única que lhe permitirá importar fontes externas para as legendas e títulos – e essa está disponível apenas em IOS.
Portanto, se você está na disposição de comprar um conjunto de iPhone, para fazer produção de TV, isso é fantástico. Uma empresa de média que fez isso foi a Omrop Fryslân,da Holanda. O coordenador Wytse Vellinga afirma que isso ajuda a redação a manter os sistemas atualizados, permite instalar uma lista selecionada de apps e facilita o processo de treinar os jornalistas para serem proficientes no seu uso – dependendo dos sistemas desktop apenas fazer a transcrição dos vídeos já editados para as especificações técnicas da transmissão televisiva.
Mas pode acontecer que os jornalistas estejam a usar uma diversidade de telefones iOS e Android. Se for esse o caso e se a sua redação tiver estilos standard para as legendas e títulos, então o melhor processo de trabalho para produzir conteúdos televisivos consiste em filmar com o smartphone e depois mudar para um sistema desktop como o Final Cut Pro ou o AVID para editar e adicionar legendas e títulos antes de produzir um master.
A produção de vídeo que se destina primariamente ao online ou às redes sociais pode, em grande medida, ignorar a questão for formatos para televisão, pelo que o processo pode ser tão simples como filmar, editar e publicar vídeos usando uma única app, como a Apple Clips. Um bom exemplo é este trabalho sobre as eleições na Grã-Bretanha () da jornalista da RTE Patricia O’Callaghan.
Uma outra dica que podemos dar é para prestar atenção às atualizações das apps que a sua equipa usa regularmente e aproveitar para fazer uma “reconversão” de conhecimentos e introdução de novas funções sempre que uma delas tiver alterações mais profundas.
5. O que interessa é a história
Mas a verdade é que pode investir em material de material e alta tecnologia e apps sofisticadas e mesmo assim produzir conteúdo de fraca qualidade, caso a narrativa não seja sólida ou a audiência não esteja bem definida.
Por isso, a formação em jornalismo mobile precisa de incluir conceitos básicos do jornalismo, como escrever a pensar nas imagens, filmar tendo em conta a edição, como redigir um argumento ou cuidar das aptidões para apresentação.
Claro que essa formação também precisa de abordar os modos de criar os conteúdos que acompanham a peça de áudio ou vídeo, tal como títulos e textos interessantes para a web ou para as redes sociais.
Mas como é que se identifica, na prática, o jornalismo mobile de excelência? Bem, dois bons exemplos de jornalismo televisivo usando smartphone são esta peça acerca do planetário mais antigo do mundo feita por Wytse Vellinga, da Omrop (filmado com Filmic Pro e editado com Luma Fusion) e esta outra do jornalista Philip Bromwell, da RTE, sobre um conjunto de manuscritos irlandeses ancestrais (igualmente filmada com Filmic Pro e editada em Luma Fusion).
Mas onde o jornalismo mobile revela todas as suas potencialidades é sem dúvida nas redes sociais. Esta peça do jornalista Dougal Shaw, da BBC, sobre uma rua suburbana que foi fechada ao trânsito para dar lugar a uma área de lazer para as crianças (filmado em Filmic Pro, editado e exportado num formato quadrado adequado ao Facebook) teve mais de 10 milhões de visualizações nos primeiros dois meses depois da sua publicação.
Outro exemplo são as histórias “digital first”da RTE, todas elas filmadas e editadas em smartphones e otimizadas para distribuição através das redes sociais.
Indo ao encontro dos estudos que sugerem que as histórias que mais nos “agarram” do ponto de vista emocional são aquelas que têm mais probabilidades de serem partilhadas nas redes sociais, a equipa focou-se na cobertura de assuntos de profundo interesse humano, como esta peça sobre pequenos polvos de crochet para recém-nascidos, que conseguiu mais de 5 milhões de visualizações no Facebook, – por comparação com um máximo de cerca de 50 mil visualizações que normalmente consegue uma notícia retirada de um noticiário convencional.
Philip Bromwall, que lidera este projeto, diz que os vídeos são filmados em Filmic Pro e editados no Lumia Fusion – de forma que possam ser codificados para a transmissão televisiva – mas também são guardados, a partir do Luma, em formatos adequados para cada uma das diferentes redes sociais – em formato horizontal para o Twitter e em formato quadrado para o Facebook e o Instagram.
6. O jornalismo mobile estabelece pontes na redação
As redações dos grandes meios de comunicação social estão cheias de silos, com a televisão, a rádio ou o online frequentemente em espaços ou escritórios separados. Nalguns casos poderão ter cada um o seu calendário de publicação nas redes sociais ou – pior ainda – pode haver um departamento dedicado às redes sociais, que assim se converte em ainda mais um silo.
O jornalismo mobile é transversal a estas divisões, ume vez o aparelho em si é capaz de produzir conteúdos para qualquer das plataformas. O smartphone é uma câmara de televisão, uma mesa de mistura de rádio, uma estação de evicção de vídeo, uma máquina fotográfica, um criador de podcasts, um gerador de gráficos e infografias e, finalmente, um aparelho para estabelecer e gravar “conversas”, seja com entrevistados seja com a própria audiência.
Por isso, o jornalismo mobile pode ajudar a deitar abaixo os muros que separam as diferentes divisões entre as áreas criativas dos média. E isso é uma segunda fase do processo.
Afinal, os meus alunos já usam o seu smartphone para controlar as suas finanças, ver um filme, alugar carro, marcar restaurante, encontrar namorada ou namorado e procurar emprego. Ou seja, é um aparelho perfeito para lhes ensinar a ter a mentalidade digital multiplataforma de que vão precisar quando chegarem ao mundo do trabalho.
7. Apps mais recomendadas:
Gravação de vídeo: Filmic Pro (IOS e Android)
Edição de vídeo: Luma Fusion (apenas IOS), Kinemaster (IOS e Android)
Gravação de áudio: Voice Record Pro (IOS), RecForge Lite (Android)
Edição de áudio: Ferrite (apenas IOS), Audio Evolution Mobile Studio (Android)
Fotografia: VSCO (IOS, Android)
Edição de fotografia: Snapseed (IOS, Android)
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