Fact-checking e Jornalismo de agência: integração cada vez mais orgânica da verificação de factos nas agências de notícias

Dezembro 21, 2020 • Ética e Deontologia, Investigação, Jornalismo, Jornalismo digital, Últimas • by

Imagem capa do Estudo do Obercom, Agências de notícias e fact-checking

Imagem da capa estudo do Obercom: Agências de notícias e fact-checking

Em Janeiro de 2020, num estudo intitulado Agências de notícias em reconversão, o OberCom – Observatório da Comunicação abordava a importância que o jornalismo de agência e as agências de notícias têm para a vitalidade do ecossistema noticioso. Onze meses (e uma pandemia) depois, o OberCom lança agora um novo documento, Agências de notícias e fact-checking, onde são exploradas as diferentes iniciativas das agências noticiosas a nível global para o combate à desinformação, nomeadamente a forma como têm incorporado de forma orgânica a verificação de factos no núcleo das suas práticas jornalísticas.

O contexto

Se a desinformação tem estado no centro de praticamente todos os debates relevantes, desde as eleições presidenciais Americanas de 2016, este é, em 2020, um tema particularmente relevante em contexto de pandemia e de mais um processo eleitoral norte-americano.

Como o OberCom indica, o fenómeno da desinformação e a verificação de factos como uma reação estruturada do campo do jornalismo está longe de ser um fenómeno recente: o Fact-checking sempre existiu no seio dos procedimentos da prática tradicional do jornalismo (Rottwilm, 2014) . No entanto, e a bem do rigor, deve ser dito que a contemporaneidade ditou de forma inequívoca a centralidade da questão da desinformação e das formas de a mitigar, nomeadamente com a ascensão das grandes plataformas da sociabilidade, como o Facebook, Twitter e Whatsapp. Esta questão é tornada mais complexa não apenas pela polarização política, social e económica dos nossos tempos, mas, também, pelo facto de estar intimamente relacionada com outro debate antigo no campo do jornalismo, o da confiança em notícias, nos jornalistas e nas marcas noticiosas, e os sistemas de poder e perceção que afetam a influência que o jornalismo tem no quotidiano das sociedades contemporâneas.

Nesse sentido, e na linha do que o OberCom afirma no seu relatório de Janeiro, os ecossistemas podem, e devem, ser encarados com seriedade enquanto esfera potenciadora de desordens informativas. No entanto, deve sublinhar-se que:

“o espaço online, que abalou o mercado de notícias, encerra em si oportunidades para as agências. As agências podem, desde logo, vender serviços de notícias verificadas, num sistema de fact-checking, existindo também potencial para combinar fontes tradicionais com fontes digitais (e.g. publicações em redes sociais) na produção das peças noticiosas.”

Esta abordagem positiva aos ambientes digitais e conectados pode ser efetivamente facilitada, quer pelo fomento de políticas mais sustentadas para a literacia noticiosa, quer pelo estabelecimento de redes colaborativas que unam profissionais, marcas, agências e plataformas de fact-checking. Este aspecto acaba por motivar também reações positivas entre as redes sociais, sendo de salientar a importância de projetos como o Facebook Journalism Project, que traz para o seio da plataforma estruturas de fact-checking externas.

Se os acontecimentos dos últimos quatro anos ditaram a centralidade da questão da desinformação, a forma como esta é combatida é cada vez mais um argumento na mão dos stakeholders do ecossistema noticioso, onde recursos humanos e, cada vez mais, tecnológicos, têm um papel determinante na forma como a esfera pública se relaciona com os factos.

O estudo

Foi analisado o trabalho de 9 agências de notícias no mundo inteiro (France Presse, Reuters, EFE, ANSA, Associated Press, dpa, NTB, STA e AAP) com recurso a uma grelha de observação que privilegia seis dimensões de atuação diferentes, a saber: Parcerias (as agências estabelecem parcerias para efetuar verificação de factos / faz parte de redes colaborativas); Internalização (que recursos humanos são utilizados e qual o seu estatuto dentro da agência); Frequência (frequência dos artigos de fact-checking); Exposição (que destaque é dado a artigos de fact-checking); Temas e géneros prevalentes (áreas temáticas onde é mais comum a verificação de factos) e Metodologia (como é feita a verificação).

A criação de uma grelha de observação permitiu ao OberCom abordar todos os objetos de análise de forma equiparada, identificando a consistência e consolidação das diferentes iniciativas, bem como destacar o que é que cada agência está a fazer em termos de inovação.

Desde logo é notório que as agências dão diferente importância às suas estruturas de fact-checking em termos de visibilidade para o público. No entanto, é também claro que em todos os casos observados a estratégia de comunicação depende de uma associação entre as iniciativas de fact-checking e a transmissão de uma imagem de segurança, consistência e rigor associados aos produtos disponibilizados e não apenas necessariamente os artigos de verificação de factos. A existência de iniciativas de fact-checking permite às agências analisadas iniciar um diálogo mais amplo não só sobre o valor daquelas peças, em particular, como uma extrapolação dos princípios deontológicos que lhes presidem para os restantes produtos do ecossistema de conteúdos, não relacionados com verificação de factos.

Se, na esmagadora maioria dos casos, há um óbvio investimento em termos de recursos humanos, é de destacar uma iniciativa em particular, promovida pela agência Italiana ANSA. Se as restantes agências insistem particularmente na criação de equipas dedicadas a desenvolver práticas profissionais de fact-checking, a agência italiana aposta claramente na tecnologia para combater a desinformação. O programa ANSAcheck incide diretamente sobre as questões da transparência na disseminação da informação. Recorrendo a tecnologia Blockchain, a ideia é criar um ecossistema de conteúdos facilmente identificáveis e tracejáveis como sendo de origem ANSA e, portanto, de confiança.

Ao estabelecer um registo virtual e imutável que contém todas as especificações dos dados que circulam na rede, a ANSA permite que o utilizador verifique o histórico dos conteúdos, permite a comparação com outros conteúdos com origem nesta agência de notícias e, acima de tudo, permite que editores, agências e media em geral se posicionem estrategicamente como provedores de qualidade, aumentando por consequência a confiança do público.

Ideias a reter

Independentemente das estratégias adotadas e da abordagem à verificação de factos, o fact-checking tem um papel central na construção da confiança e na credibilidade das agências de notícias. Neste aspecto, é importante não só o investimento interno (em termos financeiros e humanos) bem como o estabelecimento de parcerias que permitem às agências ter consciência das melhores práticas e benchmarks em termos de verificação de factos. A promoção da confiança em notícias é uma questão complexa e de difícil operacionalização, pelo que o esforço permanente em identificar o que é verdadeiro e falso funciona como um instrumento de legitimação das organizações analisadas.

A permanente atenção dada à verificação de factos é sintoma de uma integração orgânica desta prática jornalística no quotidiano das agências analisadas. Mais do que uma iniciativa pontual / isolada, observou-se que o investimento em estruturas próprias e diferenciadas redunda numa postura séria quanto aos factos e aos procedimentos necessários para os tratar. Essa postura é transversal ao nível operativo e editorial nas organizações observadas.

Mais do que estruturas ou ações independentes, os mecanismos de verificação de factos tornam cada vez menos mutuamente exclusivos os géneros e temas jornalísticos. Esse facto é evidente na sobreposição atual de temas de política e saúde, por exemplo. Simultaneamente, observa-se uma grande diversidade de abordagens no que toca à atenção a canais de comunicação como redes sociais, cada vez mais centrais na existência conectada das audiências.

É fundamental canalizar investimento para recursos tecnológicos. A integração de profissionais de outras áreas nas estruturas jornalísticas é uma discussão antiga e complexa. Neste caso, a questão tecnológica e a necessidade de acompanhar as tendências contemporâneas torna imperativo o investimento em instrumentos tecnológicos avançados como o Blockchain, que permitam agilizar o trabalho jornalísticos e promover uma relação de confiança direta através da legitimidade de conteúdos.

A importância relativa e expectável das agências está em permanente mudança. A polarização, o relativismo da factualidade e do próprio jornalismo tem motivado mudanças muito significativas na relação com os públicos, em virtude da forma como os acontecimentos são narrados e cobertos.

O jornalismo de agência sempre foi o contexto privilegiado para a promoção de inovação e mudança no campo do jornalismo e em mercados cada vez mais saturados em que se torna essencial captar a atenção das audiências. Como meta-conteúdos, os produtos de verificação de factos tenderão a ter um papel cada vez mais central na captação de novos públicos em busca de âncoras e referências que lhes permitam navegar o dia-a-dia.

Aqui encontra vários relatórios e estudos do OberCom sobre Agências de Notícias. 

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