A publicação do documento Literacias na Sociedade dos Ecrãs (Edição OberCom, Março de 2018) surge no contexto da necessidade de atualizar referências teóricas e empíricas relativamente a um conceito complexo que, apesar de central para a compreensão das dinâmicas comunicacionais contemporâneas, continua a carecer de abordagem ao nível das discussões nucleares das Ciências da Comunicação.

Ao longo dos anos, estudos consecutivos têm demonstrado que a educação tem um papel primordial na determinação dos níveis de literacia mediática dos utilizadores, independentemente do formato, plataforma ou vínculo mediático. No entanto, estes estudos têm demonstrado também que é necessária uma própria reflexão sobre os mecanismos de abordagem científica à literacia mediática, no sentido de compreender os mecanismos informais de aprendizagem que os telespectadores, leitores, ouvintes e utilizadores desenvolvem no seu quotidiano mediático sem esquecer, também, as dinâmicas associativas e disruptivas entre ação e reação no seio de uma sociedade cada vez mais conectada.

Uma característica peculiar do conceito de literacia mediática consiste no facto de a sua centralidade não se refletir num escalar dos esforços científicos em reposicioná-la no núcleo da própria ciência, como eixo fundamental de análise que ajuda a compreender as questões contemporâneas no campo comunicacional.

Reposicionar as novas literacia

Em 2008, a European Science Foundation apelou a académicos de toda a Europa no sentido de oferecerem contributos para a redação de um Forward Look, um reposicionamento das novas literacias no eixo central da estratégia europeia para a comunicação. Entre muitos temas em debate destacava-se o papel fundamental das literacias mediáticas para compreender as questões da privacidade online em termos da sua definição coletiva / social e individual.

Em 2018, passados 10 anos, testemunhamos um período conturbado na gestão e apropriação do mundo digital, precisamente nos termos daquilo que é a privacidade e qual o seu impacto na relação entre utilizadores, dados e entidades online, sabendo de antemão que as práticas dos internautas relacionadas com competências avançadas de literacia mediática estão cada vez mais a determinar a gestão de tráfego online.

Questões como a utilização crescente de software de adblocking e de padrões mais rígidos de segurança digital, sobretudo nas redes sociais, estão a afetar cada vez mais a forma como as marcas, sobretudo as marcas noticiosas, gerem os seus conteúdos e os fazem chegar aos utilizadores. A ação dos utilizadores afeta, também, as próprias estratégias de monetização dos conteúdos digitais das marcas, ameaçando seriamente a capacidade de muitas em continuar a garantir diversidade e originalidade de conteúdos.

Um conceito fundamental

Esta edição de um documento baseado na questão das literacias visa trazer, uma vez mais, estes parâmetros reflexivos para a agenda científica do Observatório da Comunicação, reconhecendo de antemão a dificuldade e a necessidade de a tornar atual. Esta dificuldade foi descrita de forma evidente por Cary Bazalgette (in Verniers, 2009): O próprio termo ‘Literacia mediática’ ou ‘Literacia para os media’ resulta de uma tática falível bastante utilizada durante o século XX, que consiste em adicionar o termo literacia a outros tópicos ou conceitos mais atuais, com o fim de os promover como aspetos fundamentais da aprendizagem.

Conceitos como o de literacia ‘financeira’, ‘digital’, ‘emocional’, ‘computacional’ ou ‘crítica’ funcionam bem momentaneamente, mas acabam sempre por perecer em termos de realpolitik, ou seja, de uma abordagem holística no core dos estudos de comunicação. Adicionar somente outro tópico ao termo ‘Literacia’ é uma garantia de que este se tornará, num futuro próximo, marginal, razão pela qual este estudo procura sedimentar uma abordagem ao estudo da literacia mediática não enquanto conceito independente, mas como um elemento fundamental para a compreensão do conceito de literacia, na sua generalidade, bem como para a definição dos papéis e relações sociais na paisagem mediática contemporânea.

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