Em defesa da Diversidade no Jornalismo

Abril 10, 2020 • Ética e Deontologia, Jornalismo, Últimas • by

Se mais vozes se fizessem ouvir nos media, mais difícil seria a proliferação de estereótipos, simplificações e racismo estrutural. Esta é a convicção dos autores de Unbias the News, uma antologia publicada em 2019 pela rede Hostwriter e pelo centro de investigação Correctiv.

O livro Unbias the News – Why Diversity matters for Journalism assenta no pressuposto de que os contextos pessoais e sociais afectam a produção de notícias. Factores como a origem, o sexo e o género, o estatuto económico ou social e a orientação sexual dos jornalistas poderão ser determinantes na forma de aceder à informação, nos nomes a contar nos artigos e nos critérios de escolha dos temas de capa.

As dissertações de 33 jornalistas dispersos por várias regiões do mundo ilustram bem os diferentes obstáculos que enfrentam no seu trabalho quotidiano.

A jornalista indiana Anuradha Shurma relata como saltitou repetidamente de redacção em redacção por não ter outra forma de escapar à discriminação e ao assédio sexual de predadores do sexo masculino. Outra jornalista, Amber D. Dodd, partilha a luta que travou para ser aceite como repórter desportiva negra nos EUA. Já o jornalista libanês Ali Shehab destaca os constrangimentos que enfrentou nas suas reportagens sobre o conflito no Médio Oriente: do ponto de vista libanês, entrar em contacto com israelitas é ilegal, mas se o jornalista não incluir a perspectiva israelita é acusado de ser tendencioso nas reportagens.

Todos os autores incluídos na obra são membros da rede Hostwriter, que visa promover o jornalismo transfronteiriço, estabelecendo uma ligação global entre jornalistas através do seu site. A co-fundadora Tabea Grzeszyk defende no editorial que todos os jornalistas são influenciados pelo preconceito – mas alguns grupos estão em maior desvantagem face a outros.

As estruturas hierárquicas e discriminatórias podem ter um impacto prejudicial no desenvolvimento profissional ou pessoal de cada jornalista. E não só. Podem conduzir a imprecisões e induzir informações falsas nas reportagens, como realça Jelena Prtoric. Quando trabalhou nos Balcãs como ponto de contacto local da imprensa internacional, por vezes os correspondentes estrangeiros rejeitavam os interlocutores que ela lhes propunha por não corresponderem às suas expectativas estereotipadas. Noutros casos, os testemunhos acabavam por ser ampliados ou dramatizados para colorir melhor as histórias idealizadas pelos media.

Quem trabalha como ponto de contacto local dos media estrangeiros está geralmente dependente de aspectos relacionados com a nacionalidade, sugere o livro. Da mesma forma, de acordo com os autores, os tópicos de certos países são considerados mais relevantes do que os de outros países. Estas considerações beneficiariam de uma análise mais aprofundada que permitisse complementar as experiências pessoais que os jornalistas partilham no livro.

O idioma, como ferramenta e meio essencial do jornalismo, é outra questão a reflectir, manifestar e cimentar algumas desigualdades (mas também tem o poder de conseguir o oposto). As notícias globais são dominadas por alguns idiomas e, como consequência, um conjunto de outros idiomas acabam por ficar excluídos na produção ou no consumo de uma grande parte das notícias. Também certos tópicos recebem uma atenção excessiva nos media, ao passo que outros têm pouca expressão na cobertura jornalística. Tanya Pampalone, por exemplo, critica que na África do Sul o inglês e o africâner sejam os idiomas mais influentes nos media, enquanto que o idioma Xhosa é pouco representado. Bex van Koot aborda a temática da linguagem sensível ao género e formula o desejo de uma representação mais consciente das identidades não binárias – segundo ele, quem consegue aprender novos nomes, também é capaz de aprender novos pronomes.

Os relatos dos jornalistas sobre suas experiências, por vezes muito pessoais, oferecem perspectivas sobre as dimensões jornalísticas da dinâmica social e mostram como as representações dos media podem contribuir para criar, reforçar, mas também revelar e combater as desigualdades. Muitas das questões abordadas no livro proporcionam pontos de partida promissores para a investigação académica em estudos de comunicação, o que ajudaria a fundamentar estes relatos individuais em factos – mesmo que o conjunto de experiências diferentes representadas no livro possa constituir já prova suficiente.

Outra questão a endereçar: como lidar com esses problemas? No último capítulo do livro, Brigitte Alfter sugere um ponto de partida para a solução: mais colaboração! Dado que todos os parceiros internacionais conseguem obter o visto necessário, o jornalismo transfronteiriço pode ajudar a promover um jornalismo mais diversificado.

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