Os media europeus usaram a expressão “Brexit Day” – 31 de janeiro, o dia em que o Reino Unido deixou oficialmente de ser membro da União Europeia – para fazer um balanço do que a saída da Grã-Bretanha significava para seu próprio país e o resto da União Europeia.
Muito se falou das incertezas que ainda restam e de quanto dependerá do acordo comercial que deve ser concluído antes do término do período de transição, em 31 de dezembro de 2020.
O clima na imprensa da Europa foi, na sua generalidade, de tristeza, embora alguns comentadores tenham uma visão um pouco mais positiva, sugerindo que a experiência do Brexit ofereceu uma oportunidade para aprender algumas lições importantes que podem beneficiar a Europa a longo prazo.
Houve também alguns vislumbres de humor, especialmente no Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) da Alemanha, que destacou algumas das coisas tipicamente britânicas que provavelmente serão perdidas pelos europeus.
Os sete parceiros do EJO que participaram desta pesquisa analisaram uma variedade de jornais e sites de notícias (sempre que possível, com diferentes alinhamentos políticos) e analisaram seu conteúdo relacionado com o Brexit em dois dias: 31 de janeiro e 1 de fevereiro.
No texto a seguir, são fornecidos alguns links para sites de notícias e versões online de artigos de jornais. Os leitores devem ter em mente que as versões impressa e on-line dos artigos de jornal geralmente têm títulos diferentes e que as versões impressas dos artigos geralmente não aparecem até o dia seguinte à versão on-line.
Reino Unido
A forma como o Brexit dividiu a sociedade britânica em campos opostos foi perfeitamente capturada pelas primeiras páginas de dois jornais, o Guardian e o Daily Mail, a 31 de janeiro. As duas primeiras páginas apresentavam uma ilustração dos penhascos brancos de Dover, frequentemente vistos como formando uma barreira simbólica contra invasões da Europa continental. No entanto, essa imagem icónica foi tratada de maneira muito diferente pelos dois artigos.
O Guardian de esquerda, que se opôs ao Brexit desde o início, contrapôs uma imagem desfocada dos penhascos com a manchete apologética “Pequena ilha”, descreveu a saída da Grã-Bretanha da UE como “o maior risco de uma geração”, e destacou uma bandeira Union Jack solitária na praia. O tablóide de direita Daily Mail, que há muito tempo faz campanha pelo Brexit, exibia a manchete em negrito “Um novo amanhecer para a Grã-Bretanha”, sobre uma imagem dos penhascos bem focada e com as cores da Union Jack a ocupar a maior parte do céu.
O jornal Daily Telegraph, de direita, que, como o Daily Mail, sempre defendeu o Brexit, optou por uma primeira página menos imaginativa e atraente. O seu destaque consistia numa citação do discurso do primeiro-ministro Boris Johnson, “Brexit Day”, “Este não é um fim, mas um começo”, ilustrado por uma foto de Johnson.
Os três trabalhos traziam uma extensa cobertura nas suas páginas internas. O tom da cobertura do Guardian foi quase todo resignado e elegíaco, enquanto o do Telegraph e o Daily Mail era otimista e ocasionalmente triunfalista (por exemplo, trechos de comentários no Telegraph do líder do Partido Brexit Nigel Farage e no Daily Mail pelo controverso colunista de direita Richard Littlejohn).
A 1 de fevereiro, os três jornais continuaram a abordar a questão da mesma forma que no dia anterior. O Guardian publicou um editorial de primeira página do colunista regular Jonathan Freedland com o título: “O dia em que nos despedimos”. Esta edição do jornal também incluiu um suplemento especial “para guardar” composto por “27 cartas da Europa” – notas de despedida de figuras culturais de toda a UE. O Telegraph também publicou um suplemento especial “para guardar”, neste caso intitulado “Brexit: o que vem depois?” A maior parte dos artigos concluía que a Grã-Bretanha pode esperar um futuro promissor fora da UE. O Daily Mail optou por se concentrar nas celebrações jubilosas dos adeptos do partido no “Brexit day”. A primeira página exibia a manchete “ZERO HOUR / Downing St mostra o momento em que deixamos a UE para sempre”. Dentro do jornal, a “história histórica completa” da partida da Grã-Bretanha é contada em oito páginas.
Alemanha
Os dois principais jornais da Alemanha, o Süddeutsche Zeitung (SZ; centro-esquerda), com sede em Munique, e o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ; conservador) reportaram extensivamente sobre o “Brexit Day”, dando destaque ao evento nas suas primeiras páginas e no “tópico do dia”, bem como nas seções de política e economia. Dos dois, o FAZ deu ao evento a cobertura mais completa.
A maior parte dos artigos focou-se nas futuras relações comerciais entre o Reino Unido e a Alemanha e a União Europeia como um todo. O Süddeutsche Zeitung escreveu em 31 de janeiro: “Embora o Reino Unido tenha mais a perder em termos econômicos do que a UE, um Brexit rígido também causaria muita dor a muitos estados membros”. Embora o medo de um “Brexit rígido” fosse um tema recorrente, o FAZ também forneceu um fórum para vozes que veem o Brexit não apenas como uma perda, mas também como um ganho potencial. A Alemanha pode “ter perdido um parceiro importante”, mas se, como resultado do Brexit, o Reino Unido desregular e adotar um sistema tributário mais simples, “a UE deve ver isso como uma oportunidade”, pois “regulamentações excessivas da UE” deverão ser controladas para que o bloco seja competitivo, argumentou um comentador.
O tablóide alemão BILD estava muito preocupado com as últimas notícias sobre a disseminação do coronavírus para prestar muita atenção ao Brexit. Em 31 de janeiro, um pequeno artigo intitulado “Brexit, agora de verdade” analisou as mudanças que trará. No dia seguinte, um artigo ainda mais curto relatou que o Brexit é “agora oficial”.
O SZ e o FAZ, por outro lado, salientaram que o trabalho real – alcançar um acordo comercial – está apenas a começar e que, para o Reino Unido, os festejos do “Brexit Day” estão encerrados. Em ambos os jornais, o clima predominante foi de pesar pela partida da Grã-Bretanha.
Muito poucos artigos abordaram o tema do futuro da União Europeia. Uma exceção foi um artigo do Süddeutsche Zeitung no dia 1 de fevereiro, no qual o autor apontou que a UE não deveria encarar o Brexit como simplesmente “um espetáculo britânico”, mas deveria prestar atenção a seus próprios problemas e divisões.
Além de toda a conversa sobre dificuldades e incertezas, parte da cobertura também foi projetada para criar um sorriso irónico. na sua secção de cultura, o FAZ publicou uma peça intitulada “Bye bye love” (em inglês), na qual listou alguns dos fenómenos particulamente britânicos que daqui em diante estarão ausentes do “European Club”: sanduíches de pepino, “English Week” no Aldi, sitcoms da BBC – e o sentido de humor britânico.
Itália
O La Repubblica sedeado em Roma e moderadamente centro esquerda fez uma ampla cobertura relacionada com o Brexit em ambos os dias. A oferta do jornal incluía guias práticos passo a passo sobre o que acontecerá a seguir e artigos de opinião que definem o impacto psicológico da saída do Reino Unido da União Europeia. O La Repubblica também adotou uma perspectiva mais “europeia”, com traduções de artigos publicados por meios de comunicação parceiros de outros países, bem como entrevistas com figuras políticas britânicas, como a primeira ministra escocesa Nicola Sturgeon e o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair.
O centrista Corriere della Sera, de Milão, também ofereceu aos leitores informações práticas (principalmente a 31 de janeiro) e artigos de opinião (principalmente a 1 de fevereiro). Ele resumiu o curso dos eventos que levaram à saída oficial da Grã-Bretanha da UE e, ao mesmo tempo, realizou entrevistas com políticos e escritores que estiveram envolvidos no processo e com italianos residentes no Reino Unido. Os comentadores procuraram colocar os eventos recentes numa perspectiva histórica, invocando até a descrição do poeta romano Virgílio da ilha dos britânicos como “cortada do resto do mundo”.
Para outro jornal de Milão, o diário conservador Il Giornale (propriedade do irmão de Silvio Berlusconi, Paolo), o Brexit ficou mais abaixo na agenda de notícias, embora o tópico ainda tenha sido mencionado nos dois dias. A cobertura foi dividida entre como a ocasião foi marcada em Londres – com artigos sobre os comícios do Leave a 31 de janeiro e a mensagem em vídeo de Boris Johnson para o país – e a análise do possível impacto na Itália. Por exemplo, o jornal realizou entrevistas com Raffaele Trombetta, embaixador da Itália no Reino Unido, e Antonio Martino, ex-ministro das Relações Exteriores da era Berlusconi.
Polónia
A equipe polaca do EJO analisou a cobertura do Brexit de três jornais: a Gazeta Wyborcza, centro esquerda, a Rzeczpospolita, centro direita, e o tablóide Fakt.
Tanto a Gazeta Wyborcza como a Rzeczpospolita abordaram o assunto extensivamente, principalmente a 31 de janeiro, ambos dedicaram as primeiras páginas das suas edições impressas ao Brexit. A primeira página da Gazeta Wyborcza apresentava um editorial do editor-chefe Adam Michnik intitulado “Brexit – uma lição para a Polónia“. O artigo de opinião da primeira página de Rzeczpospolita é intitulado “Europa abandonada“. Ambos os artigos têm uma visão negativa do Brexit em termos do seu provável impacto na Polónia e na Europa, como um todo.
Além da cobertura da primeira página, os dois jornais dedicaram as próximas cinco páginas a artigos relacionados com o Brexit. A Gazeta Wyborcza descreveu-o como o “Tópico do dia”, enquanto a Rzeczpospolita deu a várias páginas internas um cabeçalho especial para o Brexit, composto pelas bandeiras britânicas e da UE.
A 31 de janeiro, ambos os jornais descreveram eventos que marcaram a ocasião em Bruxelas e no Reino Unido e forneceram aos leitores antecedentes e contexto (darem conta do relacionamento da Grã-Bretanha com a UE e uma cronologia do Brexit desde 2016). O Gazeta Wyborcza concentrou-se um pouco mais no aspecto político, enquanto o foco principal da Rzeczpospolita foram as consequências económicas.
A 1 de fevereiro, os dois jornais publicaram mais artigos de opinião. O Gazeta Wyborcza teve artigos do historiador britânico Timothy Garton Ash, enquanto o Rzeczpospolita apresentou artigos do irlandês Taoiseach Leo Varadkar e do secretário de Relações Exteriores britânico Dominic Raab. O Gazeta Wyborcza também teve uma entrevista com o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair.
Portugal
A análise do EJO sobre a cobertura do Brexit na imprensa portuguesa baseia-se na forma como o tema foi tratado pelos três principais jornais impressos nacionais: Público, Correio da Manhã (ambos publicados em Lisboa) e Jornal de Notícias (publicado no Porto). Nenhum destes jornais tem uma clara fidelidade política, como é hábito em Portugal. O Público tem um foco mais internacional que o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias. O Jornal de Notícias, com sede em Porto, é mais focado nas audiências do norte do país.
O Público cobriu a questão de maneira mais abrangente: o Brexit dominou as suas primeiras páginas de 31 de janeiro e 1 de fevereiro. No interior, entre os dois dias, o Público dedicou cerca de 20 páginas à temática, cobrindo uma ampla variedade de temas. Os principais aspectos abordados incluíram impactos económicos, possíveis repercussões para os portugueses residentes no Reino Unido e o aumento da possibilidade de independência escocesa e a reunificação da Irlanda.
O Jornal de Notícias também colocou o Brexit na sua primeira página em ambos os dias, apesar de não ser o destaque. Em cada um dos dias, dedicou duas páginas à questão, concentrando-se principalmente no provável impacto para os portugueses, especialmente aqueles que moravam no Reino Unido. A 1 de fevereiro, também abordou os temas da independência escocesa e da unificação irlandeses. E no mesmo dia, a principal história no suplemento financeiro do jornal foi o impacto económico do Brexit.
O Correio da Manhã não destacou o tema na sua primeira página em nenhum dia, embora tenha alguns artigos sobre ele nas páginas internas dedicadas ao internacional. O CM concentrou-se principalmente nas implicações para os portugueses residentes no Reino Unido, embora em 1º de fevereiro também tenha publicado um artigo sobre como o Dia do Brexit foi marcado em Londres.
República Checa
Nos media checos, o Brexit Day proporcionou uma breve distração do coronavírus, o tópico que dominava a agenda notíciosa. A saída da Grã-Bretanha da UE não recebeu a mesma cobertura de saturação que foi dada ao resultado chocante do referendo do Brexit em 2016, mas ainda foi destaque na maioria dos meios de comunicação. Vários jornais traziam imagens de cenas de comemoração em Londres nas suas primeiras páginas; o tablóide Blesk publicou uma galeria com mais de 100 imagens no seu site.
Como no caso do referendo, o tom de cobertura foi, no geral, negativo, com muitos órgãos de comunicação social a expressar preocupação com o provável impacto do Brexit no Reino Unido, na República Checa e no resto da UE. No entanto, vários meios de comunicação chegaram a uma nota um pouco mais positiva citando o discurso, do dia Brexit, de Boris Johnson para o país, em particular as palavras: “Este não é um fim, mas um começo”.
Os jornais checos concentraram-se principalmente em informar os seus leitores sobre os detalhes do acordo entre o Reino Unido e a UE, apontando frequentemente que a saída da Grã-Bretanha não estará completa até o período de transição terminar em 31 de dezembro de 2020. Também se referiram à situação dos cidadãos checos residentes no Reino Unido e às futuras relações comerciais entre a República Checa e o Reino Unido.
O diário de centro-direita Lidove Noviny comparou o afastamento da Grã-Bretanha da UE com a divisão da Checoslováquia em 1992. O jornal observou que ambos os eventos terminaram um período de “brigas”, mas que as Repúblicas Checa e Eslovaca se reuniram novamente quando ambos ingressaram na UE.
Ucrânia
Vários meios de comunicação ucranianos cobriram o Dia do Brexit a 31 de janeiro e 1 de fevereiro, mas para a maioria esta não foi a história principal. Três sites de notícias foram selecionados para uma análise mais detalhada. O moderadamente centro esquerda LB.ua e o moderadamente centro direita DT.ua – ambos entre as fontes de notícias mais conceituadas da Ucrânia – cobriram o assunto com profundidade, concentrando-se nas implicações da saída da Grã-Bretanha da UE. O fakty.ua, menos importante, limitou-se a algumas notícias relacionadas com o Brexit.
O principal ângulo que dominou a cobertura em todos os meios de comunicação foi o provável impacto do Brexit na Grã-Bretanha, enquanto o futuro da UE recebeu menos atenção. Um dos artigos no DT.ua era em geral bastante otimista em relação às possíveis repercussões políticas. Ele mencionava as nítidas diferenças de opinião dentro da Grã-Bretanha sobre o assunto e prestou atenção aos ângulos político e económico, mas também destacou elementos simbólicos, como o relógio de contagem regressiva projetado em Downing Street e a nova moeda de 50p. A cobertura do LB.ua foi mais neutra e focada nas implicações políticas e económicas para a Grã-Bretanha.
O impacto do Brexit nas relações Ucrânia-Reino Unido também recebeu muita atenção, especialmente as implicações nos acordos de vistos entre os dois países. Um artigo no LB.ua também apontou algumas implicações menos óbvias para a Ucrânia. Por exemplo, mencionou a possibilidade de novos acordos comerciais entre a Ucrânia e a Grã-Bretanha, o que, segundo ele, poderia ser uma vantagem para o setor agrícola ucraniano, que atualmente deve cumprir as rigorosas regras da UE em vigor.
Sobre o projeto
Triste despedida ou novo amanhecer? Como os media Europeus abordaram o “Brexit Day” faz parte de um projeto de jornalístico colaborativo do European Journalism Observatory (EJO).
Também pode ser lido nos seguintes sites da EJO:
Inglês: Sad farewell or new dawn? Europe’s media reflect on ‘Brexit Day’
Alemão: Brexit: Trauriger Abschied oder Neustart?
Italiano: Triste addio o nuova era? I media europei riflettono sul “Brexit Day”
Metodologia
A presente análise foi realizada em sete universidades e institutos de investigação europeus. Os colaboradores analisaram a cobertura relacionada ao Brexit de uma série de jornais e sites de notícias a 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 2020.
Rede EJO
Coordenadora e redactora do projeto
Paula Kennedy, editora da EJO Inglês, Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, Universidade de Oxford
Contributos por país:
Sandra Štefaniková, Universidade Charles, Praga, EJO República Checa
Tina Bettels-Schwabbauer, Instituto Erich-Brost, TU Dortmund, EJO Alemanha
Philip di Salvo e Antonio Nucci, Universita della Svizzera italiana (USI), Lugano, EJO Itália
Michal Kuś e Adam Szynol, Universidade de Wrocław, EJO Polónia
Ana-Pinto Martinho, Instituto Universitário de Lisboa, EJO Portugal
Halyna Budivska, Universidade Nacional da “Academia Kyiv-Mohyla”, Kiev, EJO Ucrânia
Imagens: fotos da imprensa europeia fornecidas pelos editores do EJO.