Investigação: São as histórias, não as estatísticas, que ajudam a superar a fadiga da compaixão

Outubro 13, 2015 • Investigação, Top stories • by

Madre Teresa compreendia bem a fadiga da compaixão ao afirmar que «Se olhar para as massas, nunca agirei. Se olhar para um só, agirei».

O que Madre Teresa conhecia bem por experiência própria tem vindo a ser documentado por investigações comportamentais que mostram que as pessoas lidam com o sofrimento de alguém como uma tragédia mas quando a perda afeta milhares encaram a tragédia como estatística. A reação pública recente às fotos publicadas na imprensa que mostram o corpo de uma criança morta numa praia turca é disso um exemplo triste. «Quantos mais morrem, menos nos preocupamos», é assim que o fenómeno é resumido pelo professor de psicologia Paul Slovic, um investigador destacado na área.

Influenciado por esta investigação, o colunista do New York Times, Nicholas Kristof, garante empenhar-se ao máximo para descobrir um indivíduo que exemplifique uma história mais abrangente que tem de ser contada. Em vez de se concentrar nas estatísticas do sofrimento e da tristeza, Kristof defende que procura emocionar os seus leitores com uma cobertura que aposta nas pessoas que ultrapassaram a sua condição de desespero. «Para mim, as lições desta investigação vão em dois sentidos», explica Kristof na publicação online Co-Exist. «Primeiro, contar uma história pessoal envolvente para atrair as pessoas. Segundo, mostrar que a situação não é desesperante, mas que o progresso é possível».

Será que esta abordagem à reportagem noticiosa pode fazer a diferença?

Num estudo recentemente publicado no Journalism & Mass Communication Quarterly, recorri à análise de conteúdo e métricas de media para aferir em que medida Kristof terá aplicado estes princípios de psicologia social e, mais importante, se eles provocam uma resposta no leitor. Os resultados deste estudo, “Compassion Fatigue and the Elusive Quest for Journalistic Impact,” evidenciam que não existe uma “fórmula mágica” que permita à mensagem dos media o poder de provocar uma resposta uniforme e poderosa.

A primeira fase desta investigação dedicou-se a examinar se a prática de Kristof bate certo com a teoria que ele defende, aplicando os princípios de psicologia social que ele subscreve publicamente.

Numa análise às suas colunas publicadas durante um ano, descobri que Kristof dá frequentemente uma face humana aos temas sociais distantes e mais graves, havendo uma preponderação de histórias focadas em um ou dois indivíduos. As suas colunas incluiram, de forma abrangente, elementos de triunfo sobre a adversidade e forneceram informação mobilizadora a incitar os leitores à ação. Sem vontade de abandonar as estatísticas, Kristof optou por injetar informação quantitativa (geralmente em pequenas quantidades) em quase todas as suas colunas.

Tendo Kristof empregue claramente métodos orientados a superar a fadiga da compaixão, os efeitos destes esforços não foram evidentes.

O estudo recorreu a um vasto leque de métricas internet para medir a resposta digital dos leitores online, desde o número de «Likes» no Facebook, referências em blogues no Google e contabilização das histórias mais vistas no New York Times até à aplicação do algoritmo da Technorati que afere a manutenção de uma história na blogosfera. Nenhuma destas métricas revelou uma relação positiva relevante com a personificação da história, a superação da adversidade ou a informação de mobilização.

Ao contrário da investigação experimental que diz que as estatísticas diminuem a empatia, o estudo revelou que o envolvimento positivo do leitor correspondeu com a existêndcia de informação quantitativa, apesar dos resultados não terem sido genericamente conclusivos em termos estatísticos.

No entanto, o estudo evidenciou uma ligação clara entre a resposta do leitor e o tópico da história e ou proximidade geográfica.

Como previsto, a correlação entre a resposta do leitor e os temas de grande interesse para o público americano (ex. aborto, conflito israelita, eleição presidencial) revelou-se positiva, forte e estatisticamente significativa. Em todas as métricas, as histórias abordadas ou focadas nos Estados Unidos ou no Canadá provocaram uma maior resposta do leitor face a histórias de outros países.

Não deveria supreender o facto da coluna de Kristof sobre a campanha da Lady Gaga contra o bullying tenha obtido uma maior resposta do que a coluna dedicada a uma jovem que tinha escapado de um bordel cambodjano. Estes resultados demonstram porque os media noticiosos gravitam em torno de celebridades e temas sensacionalistas, face a outros temas mais difíceis e distantes, como o tráfico de seres humanos, que conseguem um destaque relativamente pequeno.

Seria de desejar que existisse uma fórmula simples de passar uma história em que o foco no indíviduo despoletasse uma resposta emocional direta, tal como aconteceu em condições experimentais em contexto de investigação psicológica.

Mas seria um erro concluir que abordagem jornalística de Kristof não tem qualquer efeito.

Independentemente da inclinação de Kristof para a reportagem sobre tópicos remotos e aterradores, a sua coluna figurou regularmente na lista dos artigos «mais populares» do New York Times e a sua página profissional no Facebook atraiu mais de meio milhão de subscritores. Várias instituições de beneficiência confirmam que a sua coluna terá gerado contribuições num montante superior a 100 milhões de dólares sempre que Kristof escreveu sobre as suas organizações. Claramente, Kristof conseguiu construir uma comunidade de seguidores vasta e mobilizada ao longo tempo com as suas reportagens sobre pessoas privadas dos seus direitos um pouco por todo o mundo

Sem dúvida, é possível que a comunidade singular de leitores de Kristof tenha tendência a abafar o impacto do ênfase da narrativa do colunista. Sendo leitores envolvidos, aqueles que comentam ou respondem a uma coluna podem estar em grande sintonia com as questões levantadas por Kristof. A ser assim, é muito provável que estes leitores informados reajam mais a informação dura do que a uma história narrativa sobre a situação difícil de um indivíduo. A sustentar esta suposição estiveram os resultados que indicaram uma resposta mais forte do leitor quando as colunas forneciam informação específica a aconselhar sobre o que fazer.

Os resultados podem também refletir as limitações das métricas digitais usadas no estudo. A personificação continua a ser um poderoso dispositivo jornalístico, mas o envolvimento da audiência é um fenómeno complexo que não é facilmente destilável por algoritmos ou contagens de cliques. É necessária mais investigação para compreender que tipos de reportagem provocam escândalo público sempre que os direitos humanos são violados.

Espera-se que esta linha de investigação encorage outros a avaliar de que forma a psicologia social pode orientar a reportagem noticiosa sobre genocídio e outros fenómenos de sofrimento de massas. As respostas fornecidas pelos académicos na área da comunicação poderiam impulsionar uma cobertura noticiosa mais efetiva e obter uma resposta cívica ao sofrimento humano.

Este artigo é uma versão resumida adaptada do estudo “Compassion Fatigue and the Elusive Quest for Journalistic Impact: A Content and Reader-Metric Analysis Assessing Reader Response,” publicado no Journalism & Mass Communication Quarterly, Vol. 92, No. 3 (Autumn 2015), 700-722.

Crédito da imagem: Flickr Creative Commons

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