Entre o ataque das notícias digitais, informações e mexericos, o que as audiências online mais valorizam pode ser surpreendente: peças longas, cobertura em profundidade e investigação jornalística que oferece novas perspectivas. Foi esta a conclusão de um estudo recente que avaliou um conjunto de análise de Media pioneiro utilizado pelo American Press Institute para analisar o envolvimento do leitor.
A partir de mais de 400 mil histórias e 55 publicações, os resultados do estudo questionam a ideia de que a única coisa que as pessoas querem são as “eye candy stories” (Justin Bieber), itens de rápido sucesso sem qualquer profundidade, ou as “list-icles” (7 coisas a saber sobre o cabelo do Donald Trump)”, afirma o diretor executivo da API, Tom Rosenstiel.
“A sabedoria convencional de que escrever para a Web implica ser-se curto e rápido, e escrever para dispositivos móveis implica ser-se ainda mais abreviado, simplesmente não é verdade”, escreve Rosenstiel.
No seu artigo “Solving journalism’s hidden problem: Terrible analytics“, Rosenstiel argumenta que os Media têm sido enganados pela análise convencional – métricas de audiências que comummente medem as coisas erradas ou oferecem estatísticas ilusórias que exageram o número de leitores. Rosenstiel estima que os websites contam o tráfego em mais do dobro, talvez do triplo da audiência real.
Procurando ir para além da contagem de audiências, o American Press Institute e as publicações do seu parceiro desenvolveram um “Índice de Envolvimento” que combina cerca de uma dúzia de métricas, medindo o tempo de visualização, visualizações de páginas e partilha social. A investigação sobre as audiências também foi realizada, mas antes de sondar as opiniões sobre os editoriais de notícias, os investigadores perguntaram às pessoas “acerca das suas vidas – das suas preocupações, das suas paixões e da sua comunidade”.
A maior conclusão, segundo Rosenstiel, reside no facto do público querer “enterprise journalism” (jornalismo gerado pelas redações e jornalistas com base nas suas fontes e não em comunicados de imprensa ou outras notícias) de alto valor, e notícias resultantes da aplicação do tempo, recursos e talentos necessários para que se vá ao fundo da história. Se a criação de informação empreendedora – e de investigação – requer um empenho extraordinário, o estudo constatou que a recompensa residirá num maior envolvimento do leitor (48% melhor do que a média global de envolvimento; 83% de mais páginas vistas; 39% de mais tempo gasto por artigo; e mais de 103% de atividades de partilha).
As audiências gostam de peças longas, mesmo nos seus telemóveis
Uma constatação relacionada consiste no facto das pessoas gostarem de peças longas, mesmo quando utilizam os seus smartphones. As histórias longas (definidas como tendo mais ou menos 1.200 palavras) resultaram num aumento de 23% no envolvimento do leitor, bem como no aumento de páginas vistas, partilhas e tempo despendido em leitura. “As pessoas gostam de qualidade e de profundidade e ficarão presas a uma história bem contada”, diz Rosenstiel.
Mas uma pequena peça também envolve quando a redacção toma a iniciativa de explorar uma questão ou procurar um novo ângulo para um problema desgastado. “Pela sua natureza… ‘peças de iniciativa’ são únicas”, afirma Rosenstiel. São histórias que as audiências não podem encontrar em todo o lado, diz. São também histórias que envolvem os leitores, geram um maior número de visionamentos de páginas e duplicam a partilha, constata o estudo.
Segundo a investigação, o que não parece ajudar a nutrir o envolvimento é a peça jornalística de meio-termo, que vai além da emissão de informação diária, mas fica aquém da informação empreendedora.
OK., então a história reveladora recebe atenção. E então quanto à obrigação dos Media em cobrir os assuntos públicos, informando relativamente ao Governo, tribunais e afins?
Artigos sobre política e Governo também podem gerar envolvimento
O estudo desafia a noção de que “o Governo é um anátema para os leitores”, observando que, ao longo dos 400 mil artigos estudados, as histórias sobre Governo situaram-se na média quanto à atenção do leitor. O desempenho dos Media é ainda superior quando apresenta notícias como “watchdog” do Governo e toma a iniciativa de contar histórias de assuntos públicos às quais mais ninguém tem acesso, diz o estudo.
Por outro lado, as notícias que relatam apenas uma alteração incremental diminuem o envolvimento do leitor, constata o estudo. Contudo, existem demasiadas destas histórias “para que conste” – 48% dos artigos relativos ao Governo que fizeram parte da amostra, segundo Rosenstiel.
“Notícias breves” sobre o crime, no estilo clássico de relatório policial, também funcionam mal. Mas, de acordo com o estudo, a informação pró-activa e explanatória sobre crimes é recompensada com um maior envolvimento do leitor.
Entre as publicações online estudadas, nenhum outro tema recebeu tanta cobertura noticiosa como o Desporto. Mas o Desporto não é o que obtém mais leituras, de acordo com o relatório. Por uma razão: as notícias diretas sobre o Desporto falham online, conclui o estudo. No entanto, histórias desportivas com uma forte voz analítica ou que oferecem iniciativa jornalística geram elevado envolvimento de ávidos leitores.
Peças sobre comida e refeições também podem atrair audiências locais
“Mas o jornalismo de comida é mais do que receitas de culinária. Na verdade, elas até podem ser o elemento menor”, constata Rosenstiel. Abertura de restaurante, críticas de cozinha, até mesmo inspeções de saúde e menus escolares parecem atrair leitores. Outra virtude da cobertura noticiosa sobre a área da comida: uma vida útil relativamente longa, sendo duas vezes mais provável a visualização da peça uma semana após a sua publicação, quando comparada com a generalidade dos conteúdos.
Nem todas as histórias, não importa quão bem relatadas, serão lidas em toda a sua extensão, alerta Rosenstiel.
“Cobrir a qualidade da água não será tão popular quanto cobrir uma equipa desportiva num campeonato… A meta, então, será aumentar o envolvimento com a cobertura informativa sobre o Governo em 20%, não desistir da cobertura do Governo, porque nunca será tão popular como qualquer outra coisa”, ele diz.
Às vezes menos pode ser mais, para o público
Rosenstiel afirma que outra implicação do estudo reside no facto de que mais cobertura noticiosa não significa, necessariamente, melhor cobertura. Com uma compreensão mais diferenciada do que envolve os leitores, os media podem fazer melhores escolhas. “Em alguns casos”, constata Rosenstiel, “pode significar melhorar a cobertura, deixando para trás coisas que não são úteis”.
O presente estudo está entre os mais recentes na área da investigação e iniciativas de Media, explorando novas abordagens para a análise das audiências (ver, por exemplo, “Editorial analytics: how news media are developing and using audience data and metrics“). Um ponto comum nessa linha de investigação, no entanto, é não existir uma fórmula única para o sucesso: é necessária uma abordagem ajustada.
“Qualquer publicação, mesmo a mais pequena, pode tornar-se uma regra em vez de uma vítima dos seus dados,” diz Rosenstiel.
O estudo aponta igualmente a crescente evidência de que as peças de tamanho médio não apelam ao leitor (ver, por exemplo, “Time to Kill the 800-word article”). É uma lição que este autor aparentemente ainda precisa de aprender – esta peça tem mais de 900 palavras.
Fotos: Flickr CC Gage Skidmore e Tom Cole
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