No discurso de encerramento da sua campanha eleitoral a 22 de Janeiro em Celorico de Basto, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhava que o Presidente da República eleito no domingo seguinte teria que “ser muitas vezes discreto para poder ser eficaz, renunciando a intervenções públicas que sejam mais fatores de perturbação do que de acalmia”. Com base numa análise aos destaques noticiosos dos primeiros 3 meses do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa poderá dizer-se que o agora Presidente da República primou pela discrição por ele defendida?
Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como o 20º Presidente da República Portuguesa a 9 de Março de 2016. Nesta tomada de posse, com o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva a seu lado, Marcelo prestou o seu juramento (diferente daquele que tinha legislado enquanto deputado constituinte, na medida em que hoje o Presidente da República jura não só defender e fazer cumprir a Constituição, como também cumpri-la) e proferiu o seu discurso de tomada de posse. A tomada de posse foi o tema em que, enquanto presidente, Marcelo Rebelo de Sousa mais se destacou na comunicação social no seu primeiro trimestre presidencial. Com 58 destaques, a cerimónia oficial, que se alongou por dois dias, um Lisboa e outro no Porto, foi o tópico onde os media nacionais mais deram projeção a Marcelo, Presidente da República.
Com base numa amostra de 388 destaques, recolhidos e analisados entre 9 de Março e 2 de Junho, a cobertura da comunicação social ao recém-empossado Presidente da República tem sido ampla e constante, com uma média de 4 destaques noticiosos por dia.
Se Marcelo já era uma presença nas manchetes noticiosas no passado, com 2 destaques a cada dois dias em 2015 e 1 destaque a cada 6 dias em 2014, é visível que a cobertura mediática das suas ações e afirmações aumentou significativamente desde a sua tomada de posse.
Nos primeiros 3 meses da sua presidência, Marcelo Rebelo de Sousa já teve mais destaques na comunicação social do que nos 24 meses que compreendem 2014 e 2015. Neste período, que sucede à inauguração presidencial, o Presidente aparece em destaques sobre mais de 30 temas, desde a gestação de substituição à greve dos estivadores, passando por temas sobre os quais o antigo comentador televisivo já se tinha pronunciado, como o acordo ortográfico e o futebol, e por outros característicos da função presidencial, como a Constituição e os consensos político-partidários.
Fora a sua tomada de posse (com 14,9% do total de destaques relacionados com o Presidente), os três temas sobre os quais a comunicação social produziu um maior número de destaques envolvendo o inquilino do Palácio de Belém foram o Sistema Financeiro Português (com 49 destaques, 13,5% do total), o Relacionamento Institucional com os outros órgãos de soberania (38 destaques, 9,8% do total) e os Contratos de Associação (28 destaques, 7,2% do total).
A própria atividade do Presidente tem dado matéria naturalmente jornalística. São disso exemplo as seis deslocações oficiais ao estrangeiro nestes três meses (Madrid, Vaticano, Estrasburgo, Roma, Maputo e Berlim) que deram origem a várias manchetes noticiosas, especialmente a visita a Moçambique, com 24 destaques na imprensa.
As efemérides comemoradas neste período também acabaram por ser um motivo para relacionar o Presidente em destaques, como o Dia do Combatente ou o 25 de Abril e as cerimónias e evocações relacionadas (como o 40º aniversário da aprovação e entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa). O 25 de Abril foi uma das datas, nesta amostra temporal, em que o Presidente foi mais destacado, juntamente com a da sua tomada de posse, a 9 de Março, a promulgação da lei do Orçamento de Estado para 2016, a 28 de Março e a visita oficial à República Federal da Alemanha, a 30 de Maio.
O Presidente tem sido um ator frequente nos temas que marcam o debate público, tendo as suas declarações sobre temáticas como a crise dos refugiados, as 35 horas na função pública, o plano de estabilidade e o plano nacional de reformas, a procriação medicamente assistida ou a candidatura de António Guterres a Secretário-Geral da ONU merecido destaques na comunicação social.
Salvo exceções, as declarações do Presidente sobre temas na agenda mediática têm sempre sido tratadas e destacadas por parte das rádios, jornais e televisões, que parecem procurar que o Presidente, antigo e popular analista da atualidade, encarne de novo uma posição de comentador, interveniente no debate público.
Segundo o (também) ex-deputado constituinte e constitucionalista Jorge Miranda, “o Presidente da República garante o regular funcionamento das instituições democráticas e, nessa qualidade, para lá do poder de iniciativa da fiscalização da constitucionalidade, tem plena competência para chamar a atenção do Parlamento para que as práticas por este seguidas sejam impecavelmente conformes com a Constituição e as mais idóneas para a sua própria legitimação”. O atual Presidente da República, sem nunca ter exercido os «grandes» poderes que a lei fundamental lhe concede, como o pedido de fiscalização da constitucionalidade ou o veto legislativo dentro da amostra temporal em análise , tem sido objeto de manchetes noticiosas em temas sobre os quais a Assembleia da República se debruça na altura, com as suas declarações sobre os temas em debate e votação em plenário sobre as temáticas mais mediáticas frequentemente alvo de destaques, como os Contratos de Associação ou o Orçamento de Estado para 2016.
Se a análise dos destaques noticiosos da atividade do Presidente da República nos pode dar alguma pista sobre a sua estratégia política, então poderemos dizer que Marcelo Rebelo de Sousa raras vezes fala sobre os temas de diplomas que pensa vir a vetar ou a aprovar sob condições. Foram essas, precisamente, as situações relativas aos diminutos comentários feitos por si sobre a gestação de substituição (1 destaque) e sobre as 35 horas (2 destaques). Há ainda outra nota a fazer sobre a estratégia de intervenção pública do atual Presidente da República, se Marcelo Rebelo de Sousa mantém a sua condição adquirida enquanto comentador, abordando os mais diferentes assuntos, passou no entanto a ser muito mais reservado sobre os assuntos que comportam algum tipo de dimensão fraturante, seja no plano ideológico ou pessoal – como se pode constatar pelo número de comentários sobre o acordo ortográfico, a greve dos estivadores, as corridas de touros, as 35 horas ou a gestação de substituição.
“Não pode haver o risco do Presidente aparecer numa posição de intervenção tal pública que prejudique o seu lado de magistério discreto” afirmava Marcelo Rebelo de Sousa em entrevista ao Jornal de Negócios a 26 de Dezembro do ano passado. Não nos cabendo a nós uma análise sobre o exercício da função presidencial, poderemos contudo avaliar a sua discrição e intervenção pública.
Se é cedo para concluir de que forma Marcelo Rebelo de Sousa pretende ou não exercer o seu mandato e a sua relação com a imprensa, certo é que nos seus primeiros três meses no cargo, o Presidente da República foi presença assídua nos destaques noticiosos, tanto nos temas relacionados com a sua função constitucional, como em temas que marcaram o debate público. Com uma média de 4 destaques por dia, o Presidente da República foi presença assídua nos órgãos de comunicação social portugueses, que têm proporcionado amplo destaque ao exercício do seu magistério presidencial. Ou pouca discrição.
Metodologia: Este estudo foi realizado com recurso a técnicas de análise de conteúdo aplicadas a uma amostra de 9014 destaques jornalísticos publicados entre 9 de março e 2 de junho. Nesta amostra foram identificadas todas as peças jornalísticas com referência a Marcelo Rebelo de Sousa no lead da notícia. A subamostra com todas as peças com referência ao Presidente da República perfaz um total de 388 peças. O trabalho de análise foi realizado pelos investigadores David Crisóstomo, Gustavo Cardoso, Ana Pinto Martinho e Décio Telo.
Na Imprensa foram analisadas as 4 peças mais destacadas no CM, PÚBLICO, JN e DN. Na Rádio, as 3 primeiras peças nos noticiários da TSF, RR e Antena 1 das 8 horas. Nas estações de TV generalistas, as 4 primeiras peças nos jornais das 20 horas da RTP1, SIC, TVI e CMTV. Na Web, a 3 notícias mais destacadas nas páginas Web do PÚBLICO, Expresso, Observador, TVI24, SIC Notícias e JN.
O Barómetro de Notícias é desenvolvido pelo Laboratório de Ciências de Comunicação do ISCTE-IUL no âmbito do Projecto Jornalismo e Sociedade e do Observatório Europeu de Jornalismo. É coordenado por Gustavo Cardoso, Décio Telo, Miguel Crespo e Ana Pinto Martinho. A codificação das notícias é realizada por Rute Oliveira, João Lotra e Sofia Barrocas.
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Foto Marcelo Rebelo de Sousa: Rádio Renascença