TV volta a ser a fonte preferencial de notícias em Portugal

Junho 12, 2019 • Jornalismo, Jornalismo digital, Últimas • by

No conjunto dos 38 países que fazem parte do Digital News Report, o público diz que confia mais em marcas de notícias “respeitáveis” para combater a desinformação, mesmo com a pressão económica a aumentar para muitos editores.

A preocupação pública com a desinformação está a tornar algumas pessoas mais cuidadosas em relação às marcas que escolhem e aos conteúdos que partilham online, de acordo com o oitavo Digital News Report anual do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford. O relatório, baseado num inquérito online do YouGov aplicado a 75 mil pessoas em 38 mercados, diz que a mudança de comportamento é mais aparente naqueles que são mais jovens e mais instruídos, em vez de grupos mais velhos ou menos privilegiados.

Em Portugal, a TV volta a ser o meio que os portugueses mais procuram como fonte de notícias (81%), empatado praticamente com o online (79%). Quanto à confiança nas notícias em geral, a percentagem baixa 4 pontos percentuais (para 58%) mas, mesmo assim, Portugal continua a ser o segundo país onde mais se confia nas notícias. Seguindo a linha da televisão como o meio mais procurado para notícias, as duas marcas mais confiáveis são dois canais de TV, a RTP Notícias e a SIC Notícias.

Embora alguns consumidores possam estar a voltar-se para fontes de notícias mais confiáveis, o relatório apresenta notícias positivas e negativas para editores que procuram modelos de negócios sustentáveis após décadas de disrupção digital. Os modelos online pagos estão a começar a funcionar nalguns países, mas apenas para as grandes empresas de media. É muito pouco provável as assinaturas de um título único funcionem para muitos dos consumidores, que desejam aceder a várias marcas de uma forma fácil o ou que não encontram real mais valia no pagamento por notícias.

O relatório também destaca:
• A forma como, em muitos países, os consumidores estão a gastar menos tempo no Facebook e mais tempo no WhatsApp, Instagram e Youtube, comparando com a mesma altura do ano passado;
• O crescimento do número de pessoas que evita notícias. No Reino Unido, metade dos evitam notícias afirmam que o fazem porque os faz sentir em baixo enquanto outros dizem sentir-se impotentes face ao que está a acontecer;
• O crescimento continuado dos podcasts e da sua popularidade entre os grupos mais jovens.

Desinformação e mudança de comportamento

A preocupação do público com a desinformação continua bastante alta (media de 55% nos 38 países abrangidos pelo estudo) e cresceu de forma significativa ao longo do último ano nalguns países, apesar das tentativas, de governos e plataformas, para a conter.

Uma consequência dessa preocupação parece ser uma maior consciencialização e afinidade com as marcas de notícias confiáveis. Em vários países, mais de um quarto (26%) disseram que começaram a confiar em fontes de notícias mais “respeitáveis” – aumentando para 40% nos EUA. Um quarto adicional (24%) disse que pararam de usar fontes com uma reputação duvidosa no ano passado. (A interpretação de “respeitável”, “menos precisa”, “duvidosa” e outros termos subjetivos são deixados para os entrevistados determinarem o seu significado.)

Pesquisas qualitativas com consumidores de notícias mais jovens nos EUA e no Reino Unido confirmaram que o comportamento estava a mudar:

“Se eu vejo que uma notícia vem de uma fonte sobre a qual nunca ouvi falar isso muda definitivamente a probabilidade de eu clicar nessa história. Se já a estou a pôr em causa é mais provável que eu vá para uma fonte de notícias que eu sinto que é mais credível”
(Maggie, USA, entrevista a fundo)

“Creio que estou muito mais limitada nas notícias às quais acedo por causa disto… Acho que aquelas que confio são as que já cá estão há muito tempo, como a BBC, o The Guardian e o The Independent.”
(Chloe, Reino Unido, entrevista a fundo)

Além dos jovens, o comportamento parece ter mudado mais em países onde a preocupação com a desinformação é maior. Quase dois terços (61%) no Brasil e 40% em Taiwan disseram que decidiram não partilhar uma história potencialmente imprecisa nas redes sociais após as recentes eleições que foram marcadas pela desinformação – em comparação com apenas 13% nos Países Baixos, o país com o menor nível de preocupação no nosso estudo.

O relatório revela também padrões de utilização de redes sociais que são significativamente diferentes no Sul, em geral. Enquanto as redes sociais, especialmente no Facebook, são dominantes em muitos países ocidentais, a aplicação de messaging WhatsApp transformou-se na rede escolhida para conversar e partilhar no Brasil (53%), na Malásia (50%) e na África do Sul (49%). E a probabilidade de pessoas destes países fazerem parte de grupos do WhatsApp que tenham pessoas que elas não conhecem é muito maior que no ocidente – uma tendência que reflete como as aplicações de messaging podem ser usadas para partilhar informação em escala, de forma a potencialmente encorajar a disseminação de desinformação. Entretanto os Grupos privados e públicos do Facebook são também populares para discutir notícias e política na Turquia (29%) e no Brasil (22%), mas muito menos utilizados para tal em países ocidentais como o Canadá (7%) ou a Austrália (7%).

O autor principal do relatório Nic Newman afirma:
“A mudança para mensagens privadas e baseadas em grupos aconteceu muito rápido. Este tipo e prática oferece um maior controlo para os utilizadores, mas também dificulta a identificação e o combate à desinformação – especialmente em países com menor literacia digital, uma paisagem mediática fraca ou instituições de media menos robustas”.

O relatório também revela que, em muitos países, os utilizadores online estão a despender mais tempo com o WhatsApp, Instagram e Youtube que no ano passado. Alguns utilizadores estão a abandonar definitivamente o Facebook, embora ainda continue a ser, de longe, a rede social mais importante para o consumo de notícias.

O negócio do jornalismo

Apesar dos esforços da indústria, encontramos apenas um pequeno aumento nos números dos que pagam por qualquer notícia online – seja por assinatura, associação ou doação. O crescimento limita-se a uma mão cheia de países, particularmente na região nórdica (Noruega 34%, Suécia 27%), enquanto o número dos que pagam nos EUA (16%) permanece estável após um grande salto em 2017. Mesmo em países com níveis mais elevados de pagamento, a grande maioria só tem uma assinatura online. Um desenvolvimento encorajador os pagamentos são agora mais ‘contínuos’, em vez de únicos.

Nalguns países a fatiga da subscrição também pode estar a instalar-se, com maioria das pessoas a preferirem gastar o seu orçamento limitado no entretenimento (Netflix/Spotify) em vez de em notícias. Com muitos a olhar para as notícias como uma tarefa/obrigação, o relatório sugere que os editores podem lutar para aumentar substancialmente o mercado das subscrições a preços mais elevados para apenas um título.
O Diretor do Reuters Institute e co-autor do relatório Professor Rasmus Kleis Nielsen diz:

“A boa notícia é que os editores que produzem jornalismo verdadeiramente diferente, valioso e confiável estão a ser recompensados com sucesso comercial. A má notícia é que muitas pessoas acham que grande parte do jornalismo com o qual se cruzam não acrescenta valor, não é confiável nem vale a pagar por ele.”

À medida que os editores lançam modelos pagos, mais de dois terços (70%) da amostra na Noruega e metade (50%) nos EUA encontram uma ou mais barreiras a cada semana quando tentam ler notícias online. O medo é que ao aumentar a fricção as pessoas podem desistir completamente de ver/ler notícias online, em particular aquelas que já não estão muito interessadas ou que não conseguem pagar pelas notícias.

Mudança para o áudio para estar a ganhar terreno

Os podcasts parecem estar a atingir massa crítica, consequência de uma melhoria no conteúdo e na facilidade de distribuição. Mais de um terço da nossa amostra combinada (36%) afirma ter ouvido um ou mais podcasts no último mês, com quase um em cada seis (15%) a dizer que ouviram podcasts um acerca de notícias, política ou eventos internacionais.

No Reino Unido, os grupos de inquiridos mais jovens, que passam grande parte da sua vida ligados aos seus smartphones, têm quatro vezes maior probabilidade de ouvir podcasts que os inquiridos com mais de 55 anos – e muito menor probabilidade de ouvir um discurso na rádio tradicional. Aqueles que têm menos de 35 anos consomem metade dos podcasts, apesar de representarem cerda de um terço da população adulta.

O autor principal, Nic Newman diz:
“A nossa pesquisa mostra que o apelo central dos podcasts é a facilidade de uso e a capacidade de se ouvir enquanto faz outra coisa. Mas para os utilizadores mais jovens, eles também fornecem vozes mais autênticas e o controlo e escolha a que eles estão habituados.”

As perspetivas do áudio podem ser ainda mais impulsionadas pela adoção de alto-falantes ativados por voz, como o Amazon Echo e o Google Home. O alcance para qualquer propósito cresceu de 7% para 14% no Reino Unido no último ano, de 9% para 12% nos Estados Unidos e de 5% para 9% na, high-tech, Coreia.

Outros destaques do relatório deste ano

• Em todos os países, o nível médio de confiança desceu 2 pontos percentuais para 42% e menos de metade (49%) concorda que confia nos media noticiosos que eles próprios usam. Os níveis de confiança em França decresceram para apenas 24% (-11) no último ano, à medida que os média estão sob ataque por causa da sua cobertura do movimento dos “coletes amarelos”. A confiança nas notícias via pesquisas (33%) e nas redes sociais (23%) mantém-se estável, mas baixa.

• Os meios de comunicação são vistos como fazendo um melhor trabalho nas notícias de última hora do que na explicação dos acontecimentos. De entre todos os países, quase dois terços sentem que os media são bons a mantê-los informados (62%), mas que são menos bons a ajudar a compreender as notícias (51%). Menos da metade (42%) acham que os media fazem um bom trabalho na responsabilização dos ricos e poderosos – e este número é bem mais baixo na Coreia do Sul (21%), na Hungria (20%) e no Japão (17%).

• Existem também diferenças dentro dos países, pois pessoas com níveis mais elevados de educação têm maior probabilidade de avaliar os meios de comunicação de forma positiva em todas as suas dimensões que o resto da população, sugerindo que a agenda noticiosa é mais dirigida aos interesses e necessidades dos que têm níveis de educação mais elevados.

• Mais pessoas dizem que evitam as notícias de forma ativa (32%) do que as que o afirmaram há dois anos atrás. O evitar as notícias subiu seis pontos percentuais em geral e 11 pontos no Reino Unido, fenómeno causado pelo aborrecimento, raiva ou tristeza em relação ao Brexit. As pessoas dizem que evitam notícias porque tem um efeito negativo no seu estado de espírito (58%) ou porque se sentem impotentes para mudar o que está a acontecer.

• A importância do smartphone para consultar notícias continua a crescer, com dois terços (66%) a utilizarem agora este dispositivo para aceder às notícias semanalmente (+4pp). Os agregadores móveis como a Apple News e o Upday estão a ter cada vez mais força. Apple News nos EUA está a alcançar cada vez mais utilizares de iPhone a cada semana (27%) que o Washington Post (23%).

Pode aceder ao estudo no íntegra no site do Digital News Report.

METOLOGIA
Todos os números, a não ser que seja declarado de outra forma, fazem parte do inquérito da YouGov Plc. levado a cabo em 38 países; Estados Unidos da América, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda, Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Bélgica, Países Baixos, Suiça, Áustria, Hungria, Eslováquia, República Checa, Polónia, Croácia, Roménia, Bulgária, Grécia, Turquia, Coreia do Sul, Japão, Hong Kong, Malásia, Taiwan, Singapura, Austrália, Canadá, Brasil, Argentina, Chile é México.
O tamanho total da amostra é de 75749 adultos, com cerca de 2000 por país. O trabalho de campo foi realizado no final de janeiro / início de fevereiro de 2019.
O inquérito foi realizado online. Os dados foram ponderados tendo em conta a idade, género e região, para refletir a população total. A amostra é reflexo da população que teve acesso à internet e foi retirada caso não tivesse acedido a notícias no último mês. Note-se que em países com acesso mais limitado à internet como é o caso da Argentina, Brasil, Chile, Grécia, México, África do Sul e Turquia, as nossas amostras tendem a basear-se mais em áreas urbanas, o que deve ser levado em consideração ao interpretar os resultados.
A pesquisa qualitativa com consumidores de notícias mais jovens no Reino Unido e nos EUA foi conduzida pela Flamingo Research em fevereiro de 2018. Os participantes tinham interesse em notícias de nível médio / alto. A pesquisa envolveu o acompanhamento do consumo de notícias em telemóveis, diários e entrevistas em profundidade.

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