O que dizem os leitores sobre os comentários às notícias?

Fevereiro 4, 2016 • Jornalismo, Últimas • by

Os leitores têm uma visão bastante negativa dos comentários online às notícias e, não obstante as suas potencialidades, um sistema colaborativo de moderação intensifica as relações de poder entre os participantes. Foram estas as principais conclusões de um estudo de caso focado nos comentários online a um artigo do jornal Público que versava, precisamente, sobre esta temática.

Os comentários online às notícias são, sem dúvida, o formato mais comummente adotado pelos media convencionais quando se trata de incluir a audiência no processo de comunicação pública em ambiente digital.

Apesar da sua popularidade e, também, das suas potencialidades ao nível da troca de argumentos em torno de assuntos de interesse comum, os comentários às notícias enfrentam diversos e complexos desafios que têm vindo a ser enumerados em várias pesquisas científicas nacionais e internacionais. A qualidade da expressão (desde a “incivilidade” até aos discursos de ódio) ou o anonimato dos participantes colidem frequentemente com as dificuldades das redações em deter recursos humanos e financeiros que lhes permitam gerir a participação das audiências de forma intensiva e eficaz.

A ausência de soluções unânimes e estáveis para a moderação dos comentários online é, aliás, neste âmbito, o mais notório calcanhar de Aquiles das organizações jornalísticas que, por tentativa e erro, têm explorado diferentes opções – incluindo as mais radicais, como pura e simplesmente encerrar o espaço dos comentários, e/ou transferindo-o para o Facebook.

Mantendo o fórum, as estratégias de gestão dos comentários podem ser mais vigilantes (com uma pré-moderação que avalia cada post antes da sua publicação), mais permissivas (em que os profissionais apenas intervêm a posteriori, em caso de queixas ou de denúncias) ou ainda mais descentralizadas/mistas, como é o caso dos sistemas colaborativos que envolvem os leitores no processo de moderação.

Foi justamente esse o modelo que adotou o jornal Público em novembro de 2012 e que, através da acumulação ou perda de pontos de reputação, torna os leitores da comunidade em “iniciantes”, “influentes”, “experientes” e, por último, “moderadores”, partilhando, tal como o nome indica, a tarefa de moderação dos comentários com o gestor de comunidades do jornal. Antes deste sistema, que ainda vigora atualmente, o Público tinha uma equipa de jornalistas-editores que, durante ano e meio, teve como tarefa aprovar os comentários antes da sua publicação, mas, até março de 2011, os contributos dos leitores eram publicados de forma automática. As mudanças nas opções de moderação não são certamente exclusivas do Público, na procura da receita mais acertada para lidar com a tensão entre a liberdade de expressão e a proteção em relação a comentários abusivos.

Foi na expectativa de olhar para “o outro lado” que vimos nos threads de comentários à peça jornalística “Se me permite, o senhor é uma besta. Ou não é?” (publicada na edição em papel e disponibilizada no Público online a 16 de novembro de 2013) uma oportunidade única para analisar as perspetivas dos leitores sobre o fórum em que participam. O artigo em questão, assinado pelo jornalista Hugo Torres, centrava-se nas práticas de moderação dos comentários (baseando-se nas visões de especialistas, académicos, jornalistas e leitores sobre o assunto) e surgiu no âmbito de uma série de peças jornalísticas publicadas nesse mês a propósito do futuro do jornalismo, antecipando a decisão do jornal de implementar uma paywall após 20 textos lidos gratuitamente no espaço de um mês.

A análise de conteúdo dos 90 comentários de leitores publicados na sequência do referido artigo mostrou que a maioria das mensagens focava o lado mais negro do espaço dos comentários. Apesar da referência às suas potencialidades (ao nível, por exemplo, do alargamento do pluralismo de opiniões ou do valor acrescentado para o jornalismo), a maior parte dos leitores pronunciou-se sobre as intensas dores de cabeça que os próprios participantes causam a este fórum – nomeadamente, o desejo de visibilidade, a agressividade, a sistemática violação das normas de publicação ou a falta de qualidade dos contributos.

Também os leitores com o estatuto de “moderadores” foram criticados pela arrogância, arbitrariedade das suas decisões ou interpretação incorreta das regras de publicação dos comentários, sendo que alguns utilizaram mesmo o conceito de “censura” (e expressões correspondentes – ditadura, lápis azul, etc.) para caracterizar a gestão feita por estes participantes.

Além da presença de uma “guerra ideológica” entre leitores com e sem estatuto de moderadores, mais passível de ser fomentada por um sistema colaborativo de moderação (à semelhança do que foi sugerido por David Domingo, professor na Universidade Livre de Bruxelas), a análise formal/discursiva dos comentários mostrou que os “participantes-moderadores” foram autores de mais de metade dos comentários, o que poderá indicar uma monopolização da atenção por parte de certos indivíduos/grupos, tal como foi demonstrado por outras pesquisas centradas na análise discursiva de fóruns de discussão política online.

Este estudo de caso forneceu não só pistas para reflexão sobre um modelo específico de moderação dos comentários – que, se por um lado possibilita um maior envolvimento dos leitores na gestão do espaço, poderá por outro intensificar as relações de poder entre os seus participantes – mas também permitiu uma compreensão mais alargada das perspetivas da comunidade de um órgão noticioso sobre este fórum e, igualmente, das suas sugestões para melhorar a moderação dos comentários. Nesse sentido, foi interessante verificar que alguns leitores reclamaram um papel mais ativo por parte do jornal nessa gestão.

Artigo original
Silva, M. T. (2015). “What do readers have to say about online news comments? Readers’ accounts and expectations of public debate and online moderation: a case study”. Participations. Journal of Audience and Reception Studies 12 (2): 32-44.

Imagem: François-Xavier Bodin/Flickr

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