Parecia bastante ameaçador na altura. Foi o meu primeiro dia como o editor executivo responsável pelas notícias no The Independent e parecia-me correto conviver com os repórteres no Pub do escritório, do outro lado da rua, após o trabalho. Foi o repórter-chefe que me levou pelo cotovelo para um dos recantos escuros. “Olhe: você pode ter vindo para aqui com os seus extravagantes tiques “Sunday Times” [eu tinha sido chefe por lá], mas quero que saiba que este jornal é como nenhum outro. É o produto de um grupo de amigos e iremos defendê-lo até a morte. ”
Olhando para trás esta semana, 30 anos depois do lançamento e com o anúncio de que as edições impressas do The Independent e do Independent on Sunday irão terminar no final de Março, vejo ainda mais claramente o quão importante era prestar atenção àquelas palavras e como elas eram a chave para compreender a psicologia do mais idiossincrático dos jornais – onde acabei por passar 13 dos mais gratificantes anos da minha vida jornalística.
Eu tinha entrado em 1994, num momento difícil para o Indy. Na altura, a visão original de Andreas Whittam Smith para criar um jornal de qualidade verdadeiramente independente foi perdendo a sua força e, mais importante do que isso, o seu dinheiro.
As rédeas estavam agora tomadas por um consórcio dos jornais de Itália e de Espanha, La Stampa e El País, o Mirror Group do Reino Unido e os Independent Newspapers, de Tony O’Reilly. Eles tinham escolhido o cérebro Ian Hargreaves, do Financial Times, para substituir Whittam-Smith como editor, que me havia designado de seu “tenente”.
A circulação impressa baixou de 400 mil para 30 mil
Mas em apenas alguns meses, Hargreaves, que se revelou demasiadamente independente para a Direção, estava fora e o Jornal passou por uma série de editores, proprietários e vicissitudes, cada um deles acompanhado por um encaixe decrescente de circulação e fortunas, levando ao seu desaparecimento final esta semana. A circulação de mais de 400 mil (jornais) havia caído para menos de 30 mil.
Durante meus anos no Jornal, que incluiu oito como vice-editor do Independent on Sunday, servi sob um total de oito editores diferentes, alguns dos quais não teriam desonrado as páginas de um romance de Evelyn Waugh ou Michael Frayn, incluindo a idiossincrática Janet Street Porter, Rosie Boycott com a sua paixão pela legalização da cannabis, e Andrew Marr que, mais tarde, admitiu não ser muito bom no que fazia.
No entanto, durante todo esse tempo, o Jornal continuou a ser brilhante, com uma utilização fantástica de fotos, revistas premiadas, algumas das melhores coberturas internacionais do mundo, enquanto mantinha maioritariamente o seu estatuto político apartidário. Sob o editor Simon Kelner, tornou-se o primeiro tablóide de qualidade e o primeiro “viewspaper”, onde a opinião ganhou prioridade sobre as notícias. Lançou a sua mini-ramificação, o i , que sobreviveu à morte e conquistou 25 milhões de libras em receitas de vendas.
Conseguirá a originalidade do The Independent sobreviver à sua transição para um formato digital-only?
A peça-chave para a versatilidade editorial do The Independent foi a sua visão sobre o jornalismo que permaneceu pouco convencional – mas da melhor maneira possível. O seu primeiro editor de obituários não era um jornalista, mas um livreiro antiquário; ele nomeou James Fenton, um poeta, como correspondente para o Extremo Oriente. A sua liderança editorial estava a um mundo de distância do universo dos “bons rapazes” da Fleet Street, onde o editor do Daily Telegraph pode perfeitamente deslizar para a cadeira de editor no The Sun, depois de ser vice no Mail. O Indy foi sempre de si mesmo – os seus “amigos” leais asseguraram-se relativamente disso.
Mesmo nos seus últimos anos, quando foi integralmente detido pelos globais Independent Newspapers de O’Reilly ou pelos Lebedevs, pai e filho oligarcas, o Jornal ainda se sentia viçoso e original. A sua grande falha encontrava-se noutro lugar: era o mais fraco do baralho num mercado onde o jornalismo de qualidade era cada vez mais caro e as receitas eram cada vez menores.
Novo website do The Independent para investir em “conteúdo de alta qualidade”
Até ao final, o Jornal continuou tão irreverente, inovador, contraditório, peculiar e ágil como no dia em que abriu. O atual e último editor do The Independent, Amol Rajan (e, segundo muitos dizem, também um dos melhores), afirma que o website que irá substituir (o jornal) será igualmente bom, investindo em “conteúdos de alta qualidade”. Mas seremos nós apaixonados por ele, tal como os leais repórteres do Indy o foram no passado?
Podemos esperar que sim. Sempre houve uma grande quantidade de sentimentalismo e criação de mitos cerca dos jornais, que agora parecem intensificar-se quanto mais perto chegam do seu desaparecimento final. No entanto, é verdade que o mundo físico da impressão é pleno de paixão, de uma forma que o frio universo hiperligado de um website ou de uma wiki raramente revelam. Rajan aponta isso na sua carta aos “preciosos leitores da impressão”, ao anunciar o encerramento, falando do “ruído e aroma” do papel e do “som do jornal a cair no tapete”.
A sala dos títulos de impressão do The Independent, juntamente com a sua equipa comprometida, sempre foi como um lugar onde as paixões vinham ao de cima, os rivais disputavam, onde debates intensos tinham lugar, onde as páginas de teste contendo grandes “furos” eram colocadas orgulhosamente ao alto, onde a mera tinta era elevada a um design que brilha nas bancas na manhã seguinte em algumas das mais originais páginas dos tempos modernos.
E a tensão criativa crepitava entre editores, repórteres, escritores-líderes e qualquer outra pessoa que se sentisse qualificada para participar. Nesta semana, num boletim on-line, a equipa partilhou as memórias favoritas dos seus dias no Indy. Um ex-editor citou um argumento verbalizado entre um editor de notícias e eu, salpicado com a mais apimentada linguagem, no final do qual quase me esmurrou. Agora eu posso ter certeza de que deve ter sido uma especialmente boa edição do jornal na manhã seguinte!
Será que essa criativa cacofonia se calará quando a edição final do último jornal, a 26 de Março, se tornar “off stone”* (uma frase, aliás, com uma ideia de regressar aos dias de Caxton)? Vamos esperar que esse grupo de “amigos”, que me abordaram no meu primeiro dia, mantenham as suas posições para garantir que tal não aconteça.
*Última fase do processo de preparação de um jornal para a impressão, quando já não podem ser feitas alterações.
Fotografia: Mig_R Flickr, Creative Commons
Traduzido do original no EJO inglês.