O fim da publicidade tal como a conhecemos

Julho 27, 2016 • Jornalismo, Negócio, Top stories • by

Este ano, o Digital News Report do Reuters Institute for the Study of Journalism, o State of the News Media da Pew e as Internet Trends de Mary Meeker apontam todos para três tendências de fundo que podem significar o fim da publicidade tal como a conhecemos: a popularidade crescente das plataformas de comunicação entre os utilizadores de internet; o acréscimo de utilização dos ad blockers e a tendência de as marcas comunicarem diretamente com os seus utilizadores nestas plataformas de comunicação. O efeito combinado destas três tendências pode significar que, no futuro próximo, a publicidade tal como hoje a conhecemos deixe de ter lugar nos fluxos de informação que os indivíduos utilizam, a não ser que eles especificamente a chamem a esses fluxos. Esta é uma mudança radical que muitas vezes passa despercebida.

Das plataformas de distribuição às plataformas de comunicação

Tal como é habitual, a apresentação deste ano de Mary Meeker estava cheia de ideias interessantes e de dados que as suportam. Mas uma das tendências apontadas destaca-se, na medida em que tem impacto sobre o futuro da publicidade na era digital: cada vez mais, os utilizadores de internet tendem a passar a maior parte do tempo em plataformas de comunicação, trocando todos os tipos de conteúdos e informação com os seus amigos. Numa primeira fase os utilizadores de internet começaram a abandonar os sites e portais de notícias em favor das redes sociais (como o Facebook), algo que tem sido amplamente diagnosticado nos últimos anos e aliás está presente nos três estudos citados. Mas os dados agora recolhidos parecem indicar que os utilizadores também estão a migrar das plataformas de distribuição (como o Facebook) para plataformas de comunicação direta (como o Messenger e o Snapchat).

Ou seja, as pessoas tendem a escolher frequentar os “espaços” digitais onde sentem ter maior controlo sobre os seus fluxos de informação e comunicação. Em plataformas de comunicação como o Messenger ou o Snapchat, os indivíduos trocam informação uns com os outros ou com grupos selecionado e a comunicação de marcas ou produtos apenas entra na “conversa” se e quando os utilizadores assim o desejem. Esta é uma mudança importante que muitas vezes não é devidamente assinalada. É por essa razão que estas plataformas de comunicação integram uma crescente panóplia de serviços adicionais para os utilizadores, algo que é muito evidente na Ásia.

Nestas plataformas, os utilizadores podem publicar vídeos e fotos, mas também podem chamar um táxi ou comprar uns ténis dento da própria plataforma. Já não se trata de uma rede de distribuição de conteúdos que tem um serviço se comunicação associado (como era o Facebook com o Messenger). Agora, estamos perante plataformas de comunicação com uma rede de distribuição de conteúdos associada, assim como outros serviços (como acontece no WeChat, Kakao ou Line). Em plataformas como o Messenger, o Kakao ou o WeChat, os utilizadores não querem ver publicidade. O que eles querem é estabelecer “conversas” com os seus amigos. Se por acaso falarem de um par de ténis que pretendem comprar, talvez troquem fotos, recomendações ou até links acerca disso. É nesse momento que a marca pode ser convidada entrar na “conversa”. Mas essa é uma oportunidade que está sujeita a uma solicitação prévia dos utilizadores.

Esta separação entre o que é uma plataforma de comunicação e o que é uma plataforma de distribuição é subtil, mas muito importante. E faz alguma luz sobre as razões pelas quais o Facebook optou por separar o Messenger da própria rede social e apostou tanto na promoção do serviço de comunicação: provavelmente o Facebook percebeu que a popularidade das plataformas de comunicação era uma tendência importante e que devia posicionar-se competitivamente nesse “espaço”.

Mas será o Facebook capaz de fazer tanto dinheiro no Messenger como faz na sua rede social? É difícil saber. Mas se o fizer, não será certamente através de publicidade tradicional! Será através do relacionamento direto entre as marcas e os seus utilizadores sempre que estes desejarem esse relacionamento. O Messenger colherá os louros de ser a plataforma na qual as marcas e os seus utilizadores se encontram e conectam.

É interessante notar que até os melhores exemplos de publicidade feita nestas plataformas que são citados por Mary Meeker – as campanhas da Taco Bell e da KFC no Snapchat, por exemplo – são literalmente formatos que se colocam “sobre” o nosso fluxo de comunicação com os nossos amigos. São anúncios criativos, divertidos e por isso capazes de nos seduzir a utilizá-los. Mas, ainda assim, são uma intrusão. No momento em que deixarem de ser divertidos não serão mais chamados à “conversa”.

Em consequência, parece muito dúbio que os formatos publicitários tradicionais venham alguma vez a ser tão eficazes nas plataformas de comunicação como são nas plataformas de distribuição tipo Facebook. A razão principal é precisamente o maior grau de controlo que os utilizadores exercem sobre os seus fluxos nas plataformas de comunicação face àquilo que acontece nas plataformas de distribuição.

Curadoria de fluxos

A segunda grande tendência na qual o Digital News Report da Reuters, o State of the News Media da Pew e as Internet Trends de Mary Meeker estão de acordo é o aumento da utilização de ad blockers. O simples facto de três dos mais importantes estudos feitos nesta área todos destacarem o mesmo fenómeno devia ser em si mesmo um sinal de alerta para o setor da publicidade. O facto é o seguinte: as pessoas usam ad blockers sempre que podem e sabem como. É por isso que os dados refletem uma maior penetração do seu uso entre a população mais jovem, que naturalmente tem mais conhecimentos do ponto de vista técnico. O significado disso é que provavelmente os ad blockers tenderão a ser mais usados e não menos, afetando ainda mais os modelos de negócio que dependem da publicidade.

Mas porque é que as pessoas usam ad blockers? Bem, a resposta mais simples é: porque podem! Os ad blockers são uma ferramenta que os indivíduos usam para exercer um maior controlo sobre os seus fluxos de informação. Eles bloqueiam a publicidade nas plataformas e nos contextos nos quais os utilizadores não querem que a publicidade apareça e permitem-na sempre que ela for desejável. Uma variação disto corresponde às plataformas de curadoria de conteúdos (Reddit, Scoop.it, Flipboard, etc.) que os indivíduos utilizam cada vez mais e que lhes permitem regular o tipo de conteúdos que que são incluídos ou excluídos dos seus fluxos de informação. Claro que o Facebook também é, deste ponto de vista, uma ferramenta de curadoria de conteúdos, aliás a mais usada de todas. Tal como acontece com os ad blockers, à medida que as pessoas forem ficando mais familiarizadas com este tipo de ferramentas, mais frequentemente as tenderão a usar para fazer a curadoria dos seus fluxos de informação. E, em muitos casos, isso irá significar contornar a publicidade.

Desintermediar as relações

A terceira grande tendência que Mary Meeker também identifica e que pode ter um impacto significativo no mundo da publicidade é a tendência das marcas para estabelecerem um relacionamento direto com os seus utilizadores dentro das plataformas de comunicação nas quais eles estão cada vez mais presentes. Isto é notório tanto no Messenger como no Snapchat, por exemplo. Do ponto de vista do utilizador isto corresponde naturalmente a uma forma de controlo absoluto da relação comercial: esta apenas acontece onde e quando o utilizador pretende. Do ponto de vista da marca, isto é obviamente uma limitação, uma vez que as oportunidades de contacto são muito menores do que acontece na publicidade tradicional, mas é também uma interessante oportunidade de marketing, porque o utilizador que convoca a marca para uma “conversa” é normalmente aquele que está mais próximo da conversão, o que torna essa conexão particularmente eficiente e valiosa.

No fundo, o que está em causa neste tipo de ligação direta entre uma marca e os seus utilizadores é uma forma de desintermediação. A conexão entre uma marca e os seus utilizadores, que antes era intermediada pelos canais de informação, pode agora estabelecer-se de forma direta, usando estas ferramentas e plataformas. Isto naturalmente provoca a desintermediação dos canais de informação tradicionais, mas também de todo o sector publicitário que sustenta precisamente a criação e implementação de campanhas para essa intermediação.

Outro ensinamento importante que os profissionais de marketing podem retirar daqui é que, num mundo em os indivíduos são cada vez mais competentes na domesticação dos seus canais de informação usando ferramentas digitais, eles tendem a estabelecer relacionamentos usando essas ferramentas em vez de se limitarem a trocar informação. O que significa, naturalmente, que o marketing tem que se tornar ele próprio “relacional”. E isso é algo muito diferente daquilo a que nós chamamos “publicidade”.

O fim da publicidade tal como a conhecemos

O jornalismo e a publicidade são gémeos siameses. Ao longo da história estabeleceram uma relação simbiótica: o jornalismo depende da publicidade para o seu financiamento e a publicidade depende do jornalismo para chegar às audiências. Esta relação simbiótica entre os dois era um equilíbrio funcional adequado à era dos mass media. Mas deixou de ser um equilíbrio funcional para a era digital, na qual os utilizadores são capazes de controlar o processo e têm ao dispor uma grande variedade de ferramentas para o fazer. No fundo é isso que resulta das três tendências apontadas: a popularidade crescente das plataformas de comunicação; a generalização dos ad blockers e o relacionamento direto entre as marcas e os seus utilizadores através das plataformas de comunicação em que estes se movem.

No fundo, a publicidade é – como sempre foi – algo que se põe no caminho entre A e B. Se não for do interesse de A nem de B, tanto A como B prescindem da publicidade. Está lá porque A e B não dispõem de alternativa. Ou seja, a publicidade é, de certa forma, o resultado de um sistema imperfeito. É o efeito colateral de uma irracionalidade. Se o sistema que liga A a B for perfeito, a publicidade não faz sentido.

O que as modernas tecnologias de informação e comunicação digitais fazem é precisamente dotar os indivíduos das ferramentas e das plataformas que lhes permitem regular de forma mais eficiente – mais racional, podemos dizer – os seus fluxos de informação e comunicação. Esta é a mudança fundamental que explica porque razão podemos estar perante a iminência do fim da publicidade tal como a conhecemos. Claro que as marcas irão continuar a querer contactar com os utilizadores (atuais ou potenciais) dos seus produtos e serviços. Mas irão necessariamente fazê-lo de formas inovadoras às quais dificilmente poderemos chamar “publicidade”.

Photo credits: NY , Original Image, under a Creative Commons 3 Licence – CC BY-SA 3.0

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