Paul Mason publicou recentemente uma crónica polémica no jornal The Guardian – antecipando o livro que irá publicar breve – na qual argumenta que estamos a entrar numa sociedade “pós-capitalista”, como se pode ver pelo numerosos exemplo da chamada “economia de partilha” que surgem atualmente em todos os setores de atividade.
O mesmo fenómeno tem sido recorrentemente sublinhado e destacado por diversos cientistas sociais ao longo dos últimos anos. Yochai Benkler, por exemplo, deu uma pequena palestra em Davos no início do ano na qual alertou para a desregulação da “firma” como elemento de mediação económica e para os perigos da “economia de partilha”.
Neste artigo, Paul Mason atribui a previsível abolição do capitalismo, por um lado, aos avanços da tecnologia, que tornam o trabalho desnecessário em muitas atividades, e, por outro, à abundância de informação, que, segundo ele, impede a formação correta de preços no mecanismo regulador que é o mercado. Ou seja, o primeiro é um problema tecnológico; mas o segundo é um problema que tem a ver estritamente com a informação.
Mas então o que há de novo nas tecnologias de informação e comunicação digitais que desregula deste modo o mercado como elemento central do modo de produção capitalista? Porque é que isso acontece? Bem, tal como já foi argumentado noutro local, quando se combina as tecnologias comunicação e informação digitais com a arquitetura em rede e o predomínio da informação na sociedade, isso significa quase inevitavelmente que o valor económico da informação tende a diminuir, o que explica por que razão as empresas de media enfrentam tantas dificuldades na implementação de modelos de negócio sustentáveis. O efeito combinado da digitalização, que torna a informação controlável pelos computadores e seus algoritmos; da flexibilidade, interatividade e convergência de media permitida pelos pequenos computadores que trazemos no bolso (também conhecidos como smartphones); e da infinita disponibilidade de canais de comunicação numa arquitetura em rede é a abundância de informação e o correspondente declínio do seu valor económico.
O valor social da informação
Ora, o paradoxo realmente interessante – e que “sustenta” a tese do “pós-capitalismo” – é que essas transformações que implicam o declínio do valor económico da informação também sugerem um aumento do seu valor social. Nós estabelecemos relações sociais através da comunicação e, portanto, a abundância de informação (e de tecnologias de informação e comunicação) permite-nos mobilizar mais capital social e de novos tipos. As características das tecnologias de informação e comunicação digitais que explicam o declínio do valor económico da informação – o efeito de rede, a digitalização/computorização, a interatividade/flexibilidade e a convergência de formatos num só aparelho – são as mesmas que nos permitem, enquanto indivíduos, grupos ou comunidade, estender o alcance e amplitude da nossa capacidade para mobilizar recursos sociais, incrementado desse modo o valor social da informação.
É este paradoxo que explica a emergência da chamada “economia de partilha” ao ponto de se tornar ameaçadora para a economia de mercado tradicional em vários setores. De um lado, temos o declínio do valor económico da informação (e de tudo o que depende dela) e, do outro lado, temos o aumento do valor social da informação (e, também, de tudo o que depende dela). Isto é muito notório na forma como a Google ou o Facebook, por exemplo, ameaçam os modelos de negócio das empresas de media tradicionais, mas é igualmente visível na forma como a Uber ameaça o setor dos táxis, no modo como a Airbnb desafia o setor do alojamento ou na maneira pela qual o Alibaba faz um verdadeiro “curto-circuito” aos canais de comercialização tradicionais.
Nenhuma destas empresas atua de forma tradicional: a Uber não é dona de qualquer táxi, a Airbnb não tem hotéis e a Alibaba não possui armazéns. O que estas empresas fazem é explorar uma plataforma – ou seja, um conjunto de ferramentas de comunicação e informação digitais – que permitem aos utilizadores mobilizarem facilmente uma série de recursos sociais (ou seja, capital social). Claro que a Uber é uma empresa privada de índole capitalista cujo objetivo é transformar em lucro essa mobilização de recursos.
Mas, como Paul Mason nota, devemos ser capazes de ver um pouco mais além e lembrar-nos de como a Altavista foi em tempo uma espécie de antevisão do que viria a ser a Google. A Waze, também uma empresa detida pela Google, está atualmente a testar em Israel um novo serviço chamado RideWith, cujo objetivo é partilhar os custos de deslocação entre vários utilizadores mas que declara expressamente que nenhum deles pode fazer um aproveitamento comercial ou profissional do serviço. Esse naturalmente é o passo seguinte na direção “pós-capitalista”. E esse passo é não só permitido como até sugerido pela natureza “distribuída” das modernas tecnologias digitais de informação e comunicação.
Será isto mesmo o “pós-capitalismo”?
Será isto então, realmente, uma antevisão daquilo a que Paul Mason chama “pós-capitalismo”? O problema com este tipo de conceitos – “capitalismo”, “pós-capitalismo”, socialismo” – é que eles possuem uma elevada carga política. Se pensarmos no capitalismo como apenas e só uma forma específica de organização económica e social (com as suas instituições, as suas regras, os seus costumes e valores) tendente à coordenação de um conjunto vasto (e complexo) de atividades sociais, então claro que temos que concluir que essa forma especifica de organização social e económica não pode deixar de ser desafiada pelas transformações introduzidas pelas tecnologias de comunicação de informação digitais e pela forma como as pessoas as usam no dia-a-dia. Como muitas outras instituições, de resto.
Em suma, pode não ser ainda o fim do capitalismo propriamente dito. Mas, de facto, parece ser o princípio de algo diferente.
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