Uma ‘caixa de ferramentas’ para combater as notícias falsas

Abril 23, 2019 • Jornalismo, Literacia dos Média, Últimas • by

Os formatos inovadores de educação estão na base do ‘Media Navigator’, um projeto da organização não governamental alemã n-ost. Um conjunto de exercícios online em russo são a ferramenta para melhorar a literacia mediática em vários países.

O projeto ‘Media Navigator’, desenvolvido pela organização não governamental alemã n-ost, junta jornalistas, peritos de media e educadores. Nos workshops em que participam, este profissionais debatem os assuntos do momento no mundo dos media e discutem novas abordagens e temáticas em termos do ensino nesta área. Em 2017, essa troca de experiências, resultou no desenvolvimento de um kit de ferramentas em língua russa que inclui mais de 40 exercícios para desenvolver a literacia mediática. Numa entrevista com o EJO, Elizaveta Kucherova, coordenadora do projeto, fala do trabalho desenvolvido e das suas ideias para o futuro.

EJO: Quem pretendem alcançar com o vosso projeto ‘Media Navigator’?

Elizaveta Kucherova: Bem, nós vemo-nos como fazendo parte de um movimento global que promove a literacia mediática, mas neste projeto o nosso alvo está sobretudo localizado nos países da antiga União Soviética. A ideia é dar ferramentas aos especialistas no terreno para eles funcionarem como multiplicadores no objetivo de tornar as populações desses países mais capazes em termos de literacia mediática.

EJO: De que áreas profissionais vêm os participantes e os parceiros do vosso projeto?

Os participantes no nosso projeto têm experiência em vários campos. E este processo de troca de experiências entre diferentes visões setoriais, nacionais e regionais é realmente o foco do nosso trabalho. Entre os participantes encontramos jornalistas, professores universitários, educadores, formadores na área dos media ou da educação para adultos, assim como representantes de organizações não governamentais.
Na Rússia, por exemplo, são sobretudo as universidades que estão empenhadas na melhoria da educação e da literacia para os media. Na Ucrânia isso parte mais das escolas, e na Geórgia e Arménia são sobretudo as organizações não governamentais e os meios de comunicação social. No entanto, o nosso objetivo é chegar ao máximo de pessoas possível com este conjunto de ferramentas. Os exercícios foram concebidos de forma que possam ser realizados também por quem não tenha competências específicas em termos de pedagogia ou jornalismo. Por isso, este kit não é para ser usado apenas nas universidades russas ou nas escolas da Ucrânia, mas inclusivamente em outros países e até fora do campo restrito dos sistemas de educação formal. Em geral, os exercícios são para fazer em grupos alargados, mas alguns também podem ser realizados em grupos mais pequenos ou até individualmente. O nosso slogan é: melhore a sua literacia mediática e ajude os outros.

EJO: Como está decorrer a implementação do projeto nesses países?

O trabalho está a decorrer bem, embora com variações resultantes das diferentes situações sociopolíticas em cada país. Há alguns anos, a Ucrânia foi pioneira neste campo, uma vez que a educação para os media foi fortemente promovida nas escolas, o que obviamente está ligado à anexação da Crimeia e aos acontecimentos daí resultantes. Embora, ainda assim, também existam limitações e dificuldades. Nos estados vizinhos, como a Rússia ou a Bielorrússia, as coisas também estão a evoluir muito rapidamente, mas nesses casos temos que ser mais cautelosos.

EJO: O conjunto de ferramentas que desenvolveram tem em conta o facto de em diferentes países existirem diferentes perspetivas do que deve ser a literacia e a educação para os media?

Esta compilação de exercícios resultou de um processo longo, em que procurámos integrar essas diferenças. Basicamente, todos os participantes do projeto deram o seu contributo em várias fases e com inputs diferenciados. No entanto, os exercícios que fazem parte deste kit não são específicos para nenhum país, o que, de resto, nem seria um problema, porque as pessoas com experiência nesta área adaptam facilmente esses exercícios. Por outro lado, os exercícios também foram feitos de forma que os exemplos dados possam ser substituídos com grande facilidade. Sendo que, à partida, escolhemos exemplos tão universais quanto possível e suficientemente distantes da realidade política para não causarem problemas a esse nível. Mas, claro, isto sempre no respeito integral pelos factos.

EJO: Pode descrever com mais detalhe quais são os exercícios incluídos neste kit?

Os exercícios são muito diversos, embora, como é óbvio, grande parte deles trate das questões da desinformação e das notícias falsas. Estão organizados em três grupos etários e dois níveis de dificuldade. Um dos exercícios para adolescentes e adultos, por exemplo, tem a ver com a manipulação de fotos. Mostramos vários exemplos de notícias, em papel e online, que mostram como uma foto pode ser manipulada, quão fácil isso é e, sobretudo, como pode ser detetado.
Outro exercício, dirigido às crianças, aborda os pontos fortes e os ponto fracos dos diferentes media em jeito de brincadeira. Neste caso, primeiro o monitor lê um parte de um conto de fadas, por exemplo o ‘Capuchinho Vermelho’, e depois vê o respetivo desenho animado com as crianças. A ideia é descobrir diferenças e semelhanças entre um texto e a sua interpretação. O monitor pergunta às crianças, por exemplo, se imaginaram os personagens como eles depois apareceram no desenho animado, como os diferentes media mostraram a informação e que aspetos são mais bem reproduzidos no desenho animado do que no texto. Depois, faz-se uma discussão sobre as características de cada meio para passar informação. Deste debate, espera-se, deverá resultar uma melhor capacidade para distinguir um original da sua interpretação.
Cada exercício é apresentado com grande detalhe e é acompanhado de um descrição didática e de recursos teóricos para o formador, assim como links de acesso a informação adicional. Na verdade, temos recebido um feedback muito positivo dos utilizadores em relação ao modo como os exercícios são apresentados.

EJO: Estão a planear apresentar o vosso kit em outras línguas, de forma a alcançar ainda mais pessoas?

Existe de facto a necessidade de disponibilizar o kit noutra línguas. E passos nesse sentido irão ser dados em 2019. Por outro lado, muitos dos nossos formadores são capazes de traduzir eles próprios os exercícios a partir do russo. Ou, em alternativa, conduzir o processo em ucraniano, por exemplo, e usar os exemplos do kit russo, o que também não é problemático.
Claro que nós gostaríamos de expandir o nosso projeto para outros países. Mas a verdade é que o kit já tem muitos utilizadores fora dos países participantes. A maior parte dos utilizadores vem da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia, seguidos dos Estados Unidos, França, Cazaquistão, Quirguistão, Brasil e Letónia. Perguntam-nos muitas vezes porque razão não disponibilizamos o nosso kit em inglês. Na verdade não sentimos a necessidade de o fazer, uma vez que já existem muitos materiais sobre literacia mediática em língua inglesa. Porque este tema na verdade não é novo, embora pareça estar muito na moda nos últimos três ou quatro anos.

EJO: Na sua opinião, há algum país que devesse merecer atenções especiais em termos de melhoria da literacia mediática?

Não, penso que não. Penso que a literacia mediática é algo que deve interessar a toda a agente. Não devemos traçar uma linha divisória entre leste e ocidente e dizer que os europeus de leste deviam seguir o exemplo dos seus congéneres ocidentais porque estes fazem tudo de uma forma exemplar. Isso simplesmente não é verdade, uma vez que na Europa Ocidental também há muito trabalho por fazer em termos de literacia mediática. Porque não se trata apenas de reconhecer aquilo que são notícias falsas e aprender a não acreditar nelas. A literacia mediática é muito mais do que isso. Passa também por conhecer a paisagem dos media, saber quem manda neles e qual o grau de independência que exibem.
É preciso desenvolver as capacidades que nos permitem compreender que não devemos tomar a informação que nos é apresentada como tal e que devemos ser capazes de analisar criticamente aquilo que vemos ou lemos, quem nos apresenta esse conteúdo e com que objetivos. Cada um de nós deve ser capaz de desenvolver esses mecanismos para si próprio. Procurar fontes de informação credíveis e capazes de proporcionar uma visão mais clara da realidade. Penso que isso é necessário em todo o lado.

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