No mês passado, a Federação Europeia de Jornalistas apresentou um estudo intitulado Confronting Austerity: Financial and Employment Models in Journalism, da autoria de Andreas K. Bittner, que se debruça sobre o impacto da crise económico-financeira no campo do jornalismo europeu.
Centrado essencialmente nos novos modelos de financiamento dos Media e à forma como os profissionais da área têm sido afectados no seu emprego, adota um tom extremamente optimista. Andreas K. Bittner apresenta recomendações às instituições sindicais e organizações de jornalistas, membros da Federação Europeia de Jornalistas, de modo a ultrapassar as actuais limitações económicas das empresas mediáticas e o desemprego/precariedade laboral dos profissionais.
Principais preocupações dos Sindicatos e Associações de Jornalistas
Os resultados deste estudo demonstraram que, para a generalidade dos sindicatos e associações consultados, a primeira preocupação se centra no crescente desemprego na área do jornalismo, nomeadamente através dos cortes de pessoal por parte das empresas de Media. Esta preocupação (ou desafio, segundo o autor) é seguida pelos entraves nas negociações colectivas (desenvolvidas normalmente entre sindicatos e empresas/Estado), as dificuldades financeiras das próprias instituições e a problemática da precariedade laboral quanto ao jornalista freelancer.
Efetivamente, uma das ferramentas mais determinantes para combater o acentuar do desemprego no Jornalismo passa, segundo o autor, pelas contratações e negociações colectivas levadas a cabo pelos sindicatos. Mas o próprio estudo afirma que, consoante as culturas sindicais e a legislação aplicada ao sector em cada um dos Estados, assim será mais ou menos difícil zelar pelo emprego dos profissionais de Jornalismo. Para tentar alterar este status quo, as instituições deverão procurar aliciar um maior número de associados e associadas, aumentando o seu poder de negociação ante as entidades empregadoras. E essas práticas poderão passar por serviços especializados dirigidos para a promoção de grupos de profissionais menos protegidos (jovens jornalistas, freelancers e jornalistas on-line), para a proteção de minorias (tais como as mulheres ou profissionais mais idosos), para a formação na área das TICs ou para a criação de serviços de apoio social.
Utilização dos Novos Media
A utilização dos Novos Media na esfera do Jornalismo foi abordada sob duas perspectivas: a perspectiva das organizações de representação (sindicatos e associações) e a dos jornalistas. Como se refere no relatório, os jornalistas pensam e agem “digitalmente” mas os seus representantes nem sempre o fazem.
Na realidade, o autor congratula-se com o facto de, num período de 2 anos, ter havido um decréscimo de uma postura defensiva do jornalista ante os Media Digitais: já não os vendo como um concorrente feroz mas como algo complementar, os jornalistas já se apropriaram das ferramentas digitais no seu quotidiano. Não obstante, nem todos os jornalistas se encontram dotados das literacias (em especial, as de nível técnico), área esta que deverá também ser estimulada pelas instituições.
Pelo contrário, o estudo conclui que sindicatos e associações de jornalistas não parecem ainda estar a fazê-lo na sua plenitude. A título de exemplo, é apercebido que a maior parte das organizações preferem a formação cara-a-cara (37 respostas) a seminários online (6 respostas), mostrando alguma desconfiança ante a Comunicação mediada pela Internet. Razão pela qual se insta as mesmas a que se insiram mais no mundo virtual – tirando as contrapartidas de uma informação e formação sempre disponíveis, por exemplo. Aqui, os jovens jornalistas, verdadeiros nativos digitais, poderão ser aproveitados nos seus recursos pelas próprias instituições.
Jornalistas On-line e Jornalista Freelancer
De acordo com o autor, haverá também que combater a cultura existente de que o jornalista online não é um verdadeiro profissional da área. Ainda é algo comum que estes profissionais sejam mal remunerados e facilmente transferidos para outros sectores dentro da mesma empresa mediática, como não se tratassem de profissionais especializados. Perante este fraco reconhecimento do seu trabalho, o relatório propõe que sejam incluídos nas contratações e negociações colectivas de trabalho. De facto, e segundo os dados recolhidos, tais acordos são facilmente implementados em sectores como a Imprensa e a Rádio, sendo sempre mais difíceis de implementar nos Media Digitais.
Existe uma grande esperança do autor quanto ao papel do jornalismo freelance, chegando mesmo a afirmar que ele será um dos motores de novos modelos de negócio e criação de emprego. Uma vez mais, colocando a tónica nas negociações colectivas, Bittner acredita ser uma forma eficaz de combater a precariedade laboral do jornalista freelancer. No entanto, e segundo o estudo, tais iniciativas também podem enfrentar limitações, como as representações e molduras da profissão em cada país e nos sindicatos aí presentes, falta de cultura sindical (por exemplo, na Geórgia) ou mesmo o não reconhecimento do jornalista freelancer enquanto profissional, como é o caso da Bielorrússia. Dados tais entraves, recomenda-se ainda a criação de serviços de apoio pelas associações e sindicatos, em especial no tocante à formação e angariação de conhecimentos técnicos destes jornalistas, garantindo e exigindo o reconhecimento das suas competências.
Mas como se reconhece no relatório, as disponibilidades financeiras de tais entidades podem constituir um entrave – dado que muitas delas não terão os meios necessários para implementar serviços de aconselhamento e de formação dirigidos àqueles que, não raro, estão muito expostos à crise financeira e de emprego na Europa. Neste caso, o autor defende que tais iniciativas deverão ser apoiadas pela própria Federação Europeia de Jornalistas.
Minorias no Jornalismo
O estudo apresentado demonstrou que as minorias presentes nas organizações de jornalistas nem sempre são ouvidas, não existindo real pluralismo interno. Começando pela representatividade de género e de etnia no seio dos sindicalizados/associados, passando pelos jornalistas desempregados ou reformados, são vários aqueles que são esquecidos aquando da criação de serviços específicos a serem prestados pelos sindicatos e associações de jornalistas.
Ainda assim, algumas associações já incluíram este tipo de acções dirigidas a certas minorias: estimulam a publicação de artigos da autoria de jornalistas desempregados através de newsletters, organizam seminários sobre o poder de iniciativa dos profissionais de jornalismo para freelancers ou estabelecem fundos de solidariedade desempregados. Não obstante, são muito poucas aquelas que o fazem, em especial quando falamos de mulheres e jornalistas mais idosos. E, também aqui, a iniciativa das organizações de representação terão que alterar as suas práticas – e, como refere o autor, as suas representações.
Modelos de Financiamento
Segundo os dados oferecidos, 70% das respostas apontam o financiamento pelo Estado como a forma de sustentabilidade do jornalismo profissional no seu país, embora tal financiamento possa ser concretizado através de diferentes medidas – redução de impostos, subsídios directos, etc. Para o autor, trata-se de uma forma de sustentabilidade arriscada, uma vez que poderá comprometer a isenção e imparcialidade essenciais a qualquer Meio. Aliás, a própria União Europeia já sugeriu que a redução/isenção de impostos aplicada aos Media fosse abolida. A grande questão será quais as alternativas que se apresentam às actuais empresas mediáticas.
O estudo enumera os diferentes tipos de financiamento através de conteúdos pagos (subscrição ou assinatura, pay-per-view, pagamento por peça, pacotes trans-media, etc.), inicialmente olhados como sustentáveis. Mas conclui que, até agora, estes modelos não têm sido bem sucedidos. As excepções têm unicamente ocorrido na Alemanha e na Dinamarca, onde algumas experiências, ainda em fase inicial, se focam no jornalismo de qualidade e de investigação. De acordo com o relatório, as publicações Blendle e Singler parecem satisfazer alguns consumidores através da venda de artigos ou relatórios individuais de elevada qualidade, disponíveis em plataformas online.
Outras possibilidades de financiamento passam pelo crowdfunding, pelo patrocínio directo e pelas doações. Ora, tal como acontecera quanto ao financiamento público dos Media, também aqui o autor acredita facilmente se porá em causa a independência do jornalismo, correndo-se o risco de transformar o jornalista num especialista de Relações Públicas. Mais do que isso, o crowddfunding parece só alcançar algum sucesso nas áreas das indústrias culturais, normalmente baseadas em projectos encabeçados por figuras públicas de renome – v.g. Indiegogo ou Startnext.
Por todas estas razões, o relatório apresentado conclui que, até aos dias de hoje, o Jornalismo não tem conseguido implementar novos modelos de financiamento com sucesso alargado, passíveis de serem transpostos uniformemente ao nível dos Media europeus. Até porque os projetos bem-sucedidos são, até agora, de base internacional ou oriundos de países menos afectados pela crise, mostrando-se mais difícil a sua implementação em Estados em maiores dificuldades financeiras. Reconhecendo todas estas limitações, o próprio autor sugere que, de futuro, a Federação estude o tema de modo autónomo, dada a sua complexidade.
Breve Conclusão
Bittner e os responsáveis da Federação Europeia de Jornalistas apresentam, através do seu relatório, uma atitude que entendem ser “contra-nostálgica”, defendendo que o verdadeiro caminho será encarar com realismo a forma como sindicatos e associações de jornalistas preparam os seus associados para desafios que já se encontram cristalizados. E delegando nas mãos de tais instituições o impulso para essa mudança, pede-lhes que ajudem a reinventar as práticas do jornalismo, partilhando as Boas Práticas implementadas no campo da protecção laboral e formação dos seus associados, divulgando igualmente os casos de sucesso no campo de modelos de negócio nos Media. É assim perceptível a forma como esta Federação parece confiar no poder de negociação laboral dos sindicatos na protecção dos profissionais ante o desemprego acentuado neste ramo mas está longe de desistir perante situações onde tal poder é mais fraco. Num constante apelo para que se partilhem ideias e se debatam soluções, a Federação Europeia de Jornalistas parece acreditar que, perante modelos de negócio que se afigurem viáveis e fortes relações entre as instituições e os seus associados (nomeadamente através dos ditos serviços direccionados) será possível superar as dificuldades e desafios que se colocam no Jornalismo actual.
Notas:
– O estudo intitulado Confronting Austerity: Financial and Employment Models in Journalism foi apresentado em Outubro de 2014 na Macedónia, tendo-se baseado num inquérito por questionário dirigido aos membros da Federação Europeia de Jornalistas. Esta Federação é maior organização europeia na área, com 60 membros em 39 países, representando cerca 320.000 jornalistas;
– O Sindicato de Jornalistas é o único membro português integrado na Federação Europeia, tendo respondido ao inquérito que serviu de base ao estudo;
– Tal como acontece com o website da Federação, também o Sindicato de Jornalistas disponibiliza o estudo em três idiomas: Inglês, Francês e Alemão.
Créditos da Imagem: Imagem de Capa do Estudo Confonting Austerity: Financial and Employment Models in Journalism
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