Charlie Hebdo: Publicar ou não publicar?

Janeiro 14, 2015 • Jornalismo • by

O New York Times e outros órgãos de comunicação social dos Estados Unidos da América foram “trucidados” pelos leitores e bloggers por não terem re-publicado os controversos cartoons do Charlie Hebdo no seguimento do ataque terrorista que teve lugar na semana passada. Uma das críticas enfureceu de tal forma o editor executivo, Dean Baquet, que o levou a chamar «imbecil» a um professor de jornalismo, no Facebook.

Marc Cooper, um jornalista e professor associado de práticas profissionais na University of Southern California, apelidou de “cobardia absoluta” a decisão do New York Times de não publicar quaisquer Cartoons do Charlie Hebdo. E na sua página de Facebook publicou uma questão polémica dirigida a Basquet. “Exatamente quantas pessoas têm de ser mortas a sangue frio para que o vosso jornal decida que pode mostrar-nos o que provocou os assassinatos? Aparentemente, 23 atingidos e 11 mortes não é suficiente”.

“Caro Marc”, respondeu Baquet num comentário na página de Facebook de Cooper, “aprecio o sentido de auto-justiça e adivinhação, sem sequer considerar que pode haver outros pontos de vista. Espero que os seus alunos tenham uma mente mais aberta. Imbecil.”

Quando da revista Politico questionaram Basquet sobre o seu comentário, ele respondeu por email: “muitas pessoas não concordaram com a minha decisão. Algumas deles são do The Times. O comentário do Sr. Cooper foi maldoso e arrogante. Por isso eu disse-lhe o que pensava”.

“Apoiem Charlie Hebdo e informem o vosso público, publiquem os cartoons”

Outra pessoa que também criticou a decisão vou o estudioso dos media e blogger Jeff Jarvis. Ele apelidou a decisão do Times de não publicar os cartoons de “treta”: “Se és o jornal de referência, se o melhor exemplo do jornalismo americano, se esperas que os outros apoiem os teus jornalistas quando eles são ameaçados, se respeitas o facto de tua audiência podr decidir por si própria, então que lixe, apoia o Charlie Hebdo e informa o teu público. Publica os cartoons”.

“Há uma linha ténue entre insultos gratuitos e sátira, e a maior parte destes são insultos gratuitos”.

Num blogue da provedora dos leitores do Times, Margaret Sullivan, Baquet defende a sua decisão de não publicar os cartoons: “Temos uma norma que há muito aplicamos e que nos serve perfeitamente: há uma linha ténue entre insultos gratuitos e sátira, e a maior parte destes são insultos gratuitos”.

Outros órgãos de comunicação Americanos como a Associated Press, CNN, Fox News, NBC e MSNBC também decidiram não publicar ou difundir os cartoons. Enquanto por um lado apoiam a liberdade de imprensa, por outro não querem ser vistos como alguém que dissemina conteúdos que alguns leitores ou espectadores possam achar insensíveis ou ofensivos. A contrastar, os media online como o BuzzFeed, o Huffington Post e a Gawker publicaram alguns cartoons e denunciaram outros órgãos de comunicação social que publicaram fotos manipuladas de forma a evitar os detalhes. Como a Bloomberg e a Gawker relataram, o New York Times publicou cartoons ofensivos no passado, antes da chegada de Baquet a editor executivo.
Gerar tráfego era um motivo para reproduzir os cartoons originais?

Matthew Ingram falou com trabalhadores de órgãos de comunicação social online percebeu que há um interesse genuíno na defesa da liberdade de expressão. Ao mesmo tempo questionou-se se o gerar tráfego também poderia ser um dos motivos. “Será que alguns dos órgãos de comunicação social publicaram as imagens em parte porque sabiam que elas seriam controversas e que por isso seriam boas para o tráfego? Ninguém vai admitir, claro, por razões óbvias – mas não consigo deixar de pensar que pode ter desempenhado um papel parcial, mesmo no caso daqueles que sentiam o dever de apoiar a liberdade de expressão”.

Tal como no Times, o Guardian, no Reino Unido, também decidiu não publicar os cartoons do Charlie Hebdo, embora em muitos órgãos de comunicação social europeus tenham reproduzido as imagens. Um editorial do Guardian explicava o raciocínio por detrás do apoio à liberdade que o Charlie Hebdo tem de publicar o que quiser e da recusa de mostrar os seus cartoons. “O ponto-chave é: o apoio ao direito inalienável de uma revista fazer as suas escolhas editoriais não traz algum compromisso para ecoar ou amplificar essas escolhas. Ou posto de outra forma, a defesa do direito de alguém dizer o que quiseres não te obriga a repetir as palavras dessa pessoa”.

Esta semana será publicada uma nova edição do jornal

Esta semana, os jornalistas do Charlie Hebdo que sobreviveram vão publicar uma nova edição do jornal, com um desenho de Maomé, na capa, a chorar e com um cartaz que diz: ‘je suis Charlie?’, e o título, “Tout est pardonné’. Enquanto os jornais debatem se reproduzem ou não a imagem, o que aconteceu na semana passada nos EUA pode voltar a acontecer.

Enquanto muitos jornais planeiam publicar a imagem de alguma forma. Por toda a Europa, jornais como o Libération, o Monde e o Frankfurter Allgemeine, usaram a imagem online, no entanto a maior parte das emissoras públicas ou mostraram a imagens muito rapidamente ou nem sequer a mostraram.

A BBC mostrou-a rapidamente durante uma revista dos jornais no Newsnight. Nos EUA, o Washington Post, o USA Today, o LA Times, o Wall Street Journal, o Daily Beast e a CBS News mostraram a capa, mas o New York Times não. Na Austrália, o ABC mostrou a imagem do cartoon no seu programa de notícias de 24 horas, mas com um aviso para os telespectadores. O Guardian também optou por reproduzir a capa com o comentário: “o seu valor noticioso justifica a publicação”.

pic credit: Flikr, Ben Ledbetter Architect

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