Migrantes: retrato nos meios de comunicação, em 17 países europeus

Janeiro 14, 2020 • Investigação, Jornalismo, Média e política, Top stories, Últimas • by

O fotojornalista italiano Mattia Vacca em Como no verão de 2016 e mostra um grupo de migrantes em um parque fora da estação ferroviária. Centenas ficaram presas na fronteira entre a Itália e a Suíça, depois que a Suíça fechou suas fronteiras para os migrantes que tentavam chegar ao norte da Europa.

Foto do fotojornalista italiano Mattia Vacca em Como, Itália, no verão de 2016 que mostra um grupo de migrantes num parque fora da estação ferroviária. Centenas ficaram presos na fronteira entre a Itália e a Suíça, depois da Suíça ter fechado as suas fronteiras para os migrantes que tentavam chegar ao norte da Europa.

Cinco anos após o início da “crise europeia dos refugiados”, as controvérsias migratórias afetaram profundamente os cenários políticos em toda a UE e ainda não foram encontradas “soluções europeias”. Um novo estudo do Observatório Europeu de Jornalismo (EJO) esclarece agora o papel dos media no debate sobre migrações: de acordo com a análise comparativa do EJO, os media contam histórias diferentes sobre migrantes e refugiados nos vários países onde a análise foi levada a cabo. Divisões acentuadas em quantidade e qualidade de cobertura são visíveis não apenas entre a Europa Ocidental e Central Oriental, mas também na Europa Ocidental. O estudo também revela que há várias áreas importantes que não são abordadas na cobertura de migrantes e refugiados.

O EJO, uma rede de 12 entidades ligadas ao jornalismo, principalmente ao seu ensino, espalhadas pela Europa, analisou a cobertura dada aos migrantes e refugiados em 17 países, incluindo Portugal. O estudo recuperou e analisou 2 417 artigos publicados durante seis semanas entre agosto de 2015 e março de 2018. É o primeiro projeto internacional que compara a cobertura de migrantes e refugiados em tantos sistemas políticos, sistemas de media e culturas jornalísticas. Detalhes do estudo, gráficos e um relatório completo estão disponíveis no pdf, em alemão e inglês no site da Otto Brenner Stiftung, que co-financiou o estudo.

Atualmente com 1,1 milhão de refugiados (de acordo com dados do ACNUR de 2019), a Alemanha emergiu da “crise europeia de refugiados” como um dos cinco principais países anfitriões de refugiados do mundo, juntamente com o Uganda, o Paquistão, a Turquia e o Sudão. De acordo com o nosso estudo, essa posição única resultou numa “perspectiva alemã” específica sobre o tema: A enorme quantidade de cobertura na Alemanha supera em muito a de quase todos os outros países do estudo – e é paralela à Hungria, cujo primeiro ministro Viktor Orbán se posicionou como oponente da chanceler alemã Angela Merkel no que diz respeito às políticas de asilo.

O estudo também revela padrões de cobertura fundamentalmente diferentes entre a Alemanha, Itália e Grécia e todos os outros países da UE que fazem parte da amostra. Na Alemanha, Itália e Grécia, migrantes e refugiados são apresentados como tópicos domésticos, refletindo o facto de que esses países são principalmente destinos de migrantes e refugiados. No entanto, os media de todos os outros países da UE da amostra tratam o assunto predominantemente como uma questão de relações exteriores, como é o caso de Portugal – eventos relacionados com a migração ocorrem longe de casa, além das fronteiras domésticas. Os media em França, Reino Unido e Hungria enfatizam o papel proeminente de seus líderes na formulação de políticas internacionais. Os alemães, em particular, podem se surpreender ao saber que parece haver pouca pressão pública noutros países para encontrar uma “solução europeia” para a regulamentação dos procedimentos de asilo.

O estudo também encontra grandes diferenças no tom de cobertura nos diferentes países. Em geral, os media da Europa Central e Oriental concentram-se mais nos problemas enfrentados e nos protestos contra migrantes e refugiados. Os media da Europa Ocidental presentes na amostra também citam pessoas (não migrantes) com atitudes positivas em relação aos migrantes e refugiados do que os media da Europa Central e Oriental. Um padrão que também surge quando comparamos os dados respeitantes aos media de esquerda liberal com os media que apresentam um perfil mais conservador: os media de esquerda liberal citam mais oradores com uma atitude positiva e falam consideravelmente mais sobre as ajuda e a situação dos migrantes e refugiados.

Os media também informam sobre a imigração de diferentes partes do mundo. A África é o principal ponto de referência em Itália e, em certa medida, na França. Enquanto todos os outros países da Europa Ocidental se concentram na imigração do Médio Oriente, o jornal italiano La Stampa não publicou um único artigo com foco em migrantes ou refugiados do Médio Oriente. Para os media na Rússia, Polónia, Bielorrússia e Ucrânia, os fluxos migratórios e de refugiados da Ucrânia também foram um tópico importante.

Um dos principais problemas identificados neste estudo é que os media na Europa não deixam claro para o público o histórico e o estuto legal das pessoas que procuram entrar na Europa como migrantes ou refugiados. A cobertura é dominada por debates políticos e atores políticos (45%), deixando quase nenhum espaço (4% dos artigos) para cobertura com informação económicas, cultural, histórica e outras informações básicas. Apenas um terço dos artigos (33%) deixa clara a distinção entre refugiados com estatuto legal protegido e migrantes que deixam os seus países de origem por razões económicas, sociais, educacionais e outras. A maior parte dos artigos (60%) confunde migrantes e refugiados ou deixa incerta essa diferenciação. Será que isso é feito por ignorância? Será que é porque os políticos nacionais usam palavras ambíguas? Será porque os jornalistas presumem que seu público não sabe a diferença – ou porque não têm tempo e espaço para serem mais específicos? Este estudo não consegue esclarecer as razões; no entanto, a abordagem dos media também permanecem vaga acerca dos países de origem de migrantes e refugiados. Apenas 778 dos 2.417 artigos recuperados para as semanas analisadas, no estudo, especificam de onde vêm as pessoas – 293 artigos mencionam a Síria, os outros “África” (64), Mianmar (30), Albânia e Ucrânia (18 cada) e Afeganistão (16). Mas verificam-se mudanças ao longo do tempo: nas primeiras semanas da nossa análise, o Médio Oriente como origem está particularmente em foco, e quando as pessoas são claramente identificadas, é principalmente como “refugiados”; nas semanas seguintes, cada vez mais encontramos pessoas identificadas como “migrantes”. No entanto, a parcela de artigos que não identifica as pessoas apresentadas como refugiadas ou migrantes permanece elevada durante todo o nosso período de análise.

Perguntar aos migrantes e refugiados sobre seus antecedentes e motivos pode ajudar, mas os migrantes e refugiados tendem a ser os observadores silenciosos da cobertura da migração. Enquanto 26,6% dos artigos realmente apresentam os migrantes e refugiados como atores principais, 18% cobrem-nos apenas como grandes grupos anónimos. Apenas 8% dos artigos apresentam migrantes e refugiados como indivíduos ou famílias – enquanto cidadãos e atores da sociedade civil nos países de destino são os principais atores em 18% dos artigos. E muito poucos dos migrantes e refugiados apresentados nos artigos são citados: os media citaram 411 oradores migrantes e 4.267 não-migrantes. Enquanto quem ajuda é individualizados, aqueles que recebem ajuda não o são. Como reportado em estudos anteriores, a cobertura também representa em excesso homens (e também menores de idade) migrantes e refugiados deixando para trás mulheres adultas.

No que diz respeito à representação de migrantes e refugiados, os media europeus podem aprender com os Estados Unidos, que também fizeram parte da nossa amostra. Enquanto o Washington Post se concentrou principalmente na imigração da América Central, no período do estudo, o New York Times adotou uma perspectiva mais global e focou-se na “crise europeia de refugiados”. Os artigos dos EUA mostraram um número particularmente alto de migrantes e refugiados, que também foram citados – provavelmente como resultado das tradições de reportagem anglo-saxónicas e de um código de ética (da Society of Professional Journalists) que estipula “dar voz aos sem voz”. Na Europa, os media espanhóis aproximam-se desse interesse na perspectiva de migrantes e refugiados.

No entanto, o estudo também mostra que o debate público em torno da questão noutros países muitas vezes está longe de ser tão unilateral quanto se supõe. Também comparamos a percentagem de oradores citados que tiveram atitudes positivas em relação aos migrantes e refugiados com a percentagem de oradores citados que tiveram atitudes negativas. De facto, em quase todos os países cobertos por este estudo, os dois meios de comunicação, por país, da nossa amostra ofereceram posições contrárias. Concluímos a partir desses resultados que abordagens mais diversas – ou, pelo menos, menos a preto e branco – para questões de migração podem ser encontradas nos media de cada país. Além disso, os media húngaros, por exemplo, oferecem uma imagem mais variada do que se poderia esperar. O Magyar Hírlap, estreitamente alinhado com o governo Orbán, não cita um único migrante ou refugiado nos seus artigos, nas seis semanas de estudo. Mas no portal independente de notícias index.hu, a situação dos migrantes e refugiados recebe maior atenção e pelo menos alguns oradores são citados.

Foto: Mattia Vacca (https://mattia-vacca.photoshelter.com/index)

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