Ser jornalista nos dias que correm não é fácil. Não só é preciso estar à altura das exigências colocadas por um ciclo noticioso de 24 horas, como é necessário muitas vezes enfrentar reações hostis no desempenho da função de reportar aquilo que está a acontecer.
O desprezo com que os jornalistas são olhados – em especial aqueles que trabalham nos maiores meios de comunicação social – ficou particularmente visível durante os recentes protestos dos ‘gillet jaunes’ (coletes amarelos) em França, durante os quais vários jornalistas foram objeto de agressões físicas, tanto por parte dos manifestantes como por parte da polícia.
O canal de notícias 24 horas BFM TV, em particular, tem sido um alvo frequente dos manifestantes, que o acusam de ser um veículo de propaganda do Governo e de fazer uma cobertura enviesada dos acontecimentos. Um manifestante chegou a dizer a um grupo de jornalistas o seguinte: ‘O nosso protesto deve estará custar muito dinheiro ao governo, uma vez que tem que pagar à da polícia e também aos jornalistas!’
A hostilidade em relação aos repórteres que fazem a cobertura dos protestos tornou-se tão intensa que muitos deles se sentem na necessidade de tapar os logótipos dos seus microfones. E cada vez mais meios de comunicação social chegam a contratar guarda-costas para acompanhar os seus repórteres no terreno.
Além disso, outros setores descontentes da população parecem seguir o mesmo rumo. Depois de umas instalações da rádio local France Bleu terem sido incendiadas em Grenoble no final de Janeiro, um grupo anarquista veio divulgar uma mensagem em que saúda esse ataque.
Para muitos jornalistas franceses, estas ameaças físicas funcionaram como a gota de água depois de anos e anos de pressões brutais que lhes têm sido impostas pelo ciclo noticioso.
Disponibilidade permanente
A pressão exercida sobre os jornalistas pelas chefias de redação é tão premente que muitos deles, mesmo os mais jovens, citam frequentemente esse facto como a razão principal para decidirem abandonar a profissão.
‘Temos que estar disponíveis sete dias por semana, porque as notícias nunca param’, terá dito um dirigente da cadeia BFM TV, o canal de informação 24 horas mais visto do país.
Quer em França quer noutros países, todos os jornalistas sabem que terão que enfrentar um horário de trabalho longo e irregular quando escolhem esta profissão. Todos eles sabem que não são os jornalistas que controlam os acontecimentos e que, portanto, têm que estar sempre prontos para largar tudo e ir fazer a cobertura de um acontecimento importante.
Mas o facto de muitas vezes os jornalistas não serem capazes de ‘desligar’, nem que seja apenas por algumas horas, começa a deixar a sua marca em todos eles, mesmo naqueles que chegaram à profissão apenas nos últimos anos.
‘Quando vou para a cama à noite, nunca sei se hei-de desligar o telefone, arriscando receber uma reprimenda do meu chefe; ou se devo ficar com ele na mão – como um coelho a olhar para os faróis de um carro – para não perder nada do que possa acontecer’, confidenciou-nos um jornalista de 31 anos que trabalhava para a BFM TV.
O fluxo constante de emails, chamadas e mensagens, que não pára nem quando os jornalistas estão de folga, pode ser um dos fatores que está por detrás da hemorragia de recursos humanos que tem afetado os principais meios de comunicação social franceses.
Quando a NextRadioTV – o grupo de media que é dono da BFM TV – ofereceu aos seus jornalistas um pacote de desvinculação favorável para aqueles que o quisessem aproveitar até aos final e 2018, cerca de um terço dos seus 700 jornalistas acabou por aceitar.
‘Uma obsessão francesa’
Os cortes na redação da BFM TV não são um caso isolado. Entre 216 e 2017 registou-se uma redução de 15% no número de jornalistas empregados em França. E a televisão pública France TV anunciou em Janeiro que está a pensar dispensar cerca de 1000 empregados – quase 10% da sua força de trabalho – até 2022.
Estes cortes, obviamente, aumentam a pressão sobre todos aqueles que ficam. A cada vez maior insegurança no trabalho e a necessidade de continuar a produzir o mesmo com recursos que são mais escassos significam que a falta de motivação e de produtividade são um flagelo cada vez maior em França – e não apenas nas empresas de comunicação social.
Um artigo recente publicado no Le Monde apresentava a falta de motivação e produtividade como um ‘obsessão francesa, tão generalizada como ociosa.’ O jornal sublinhava a incoerência resultante do facto de o país onde isto acontecia ser o mesmo que tinha passado a lei, há menos de duas décadas, a semana das 35 horas.
Entre as pessoas que trabalham nos media, existe a perceção muito clara que este tipo de pressões se estão a tornar insuportáveis. ‘Nós somos a última geração jornalistas a trabalhar no ciclo noticioso de 24 horas,’ afirmou o mesmo jornalista de 31 anos que já foi citado, precisamente no dia seguinte a ter entregue a sua carta de despedimento.
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