Usem sempre as palavras ‘África’ ou ‘Escuridão’ ou ‘Safari’ no vosso título. Estas sãos as palavras de abertura de um famoso ensaio satírico do escritor queniano Binyavanga Wainaina entitulado ‘Como não escrever sobre África’. Uma peça amplamente aclamada quando surgiu em 2005, (atualizada mais tarde em 2012) que ridiculariza os repetidos estereótipos usados pelos media internacionais que cobrem África.
O mesmo tema foi endereçado numa TED Talk, bastante partilhada, da premiada autora nigeriana Ngozi Adichie. Na sua intervenção ela falava sobre o perigo da história única que recorre sempre aos mesmos clichês, sobre a pobreza, a fome e os desastres, para fazer a reportagem e formular o entendimento sobre o continente de África. Uma forma de contar histórias sobre África que raramente opta por uma abordagem redonda, equilibrada e com nuances. Ela descreveu o momento da sua chegada a uma universidade dos EUA para estudar e a forma como a sua colega de quarto expressou o seu espanto por conhecer alguém de África que não era vítima da fome, tal a forma unidimensional com que o continente era conhecido e compreendido.
Afro-pessimismo dá lugar a uma nova generalização
Estes escritores criticam a forma como a imprensa internacional cobre a realidade de África, acentuando sempre o foco no sofrimento de vítimas indefesas, apimentado pela visita ocasional de uma celebridade ou pelo abate chocante de uma espécie selvagem.
Estes autores realçam também o absurdo de reportagens nos media que recorrem às mesmas generalizações para cobrir um imenso continente composto por mais de 50 países. E, acima de tudo, não se conformam com as abordagens muitas vezes assentes no chamado de Afro-pessimismo, com tendência para despolitizar as histórias na África subsariana e reduzi-las a crises humanitárias ou imagens bizarras.
Outros autores fora de África têm salientado o mesmo. Christopher Hitchens escreveu na Vanity Fair em 1994 que era impossível “descobrir algures em todo o maldito continente qualquer coisa que se parecesse com uma história de sucesso… a fome, as pragas e as epidemias, desde as antigas pragas de gafanhotos até à ultra-moderna SIDA, são as mais cruéis e devastadoras. É a vida humana na sua forma mais imoral, brutal e finita”.
“Subitamente o continente está fervilhar com telefones móveis”
Nos anos mais recentes parece que a história única e simples está a mudar. A imagem cruel e negativa do sofrimento de vítimas da pobreza está a dar lugar a uma nova narrativa sob o mote “Africa Rising”. Subitamente, o continente começou a fervilhar de telemóveis e negócios energéticos. Houve em tempos (em Maio de 2000) uma famosa capa do Economist a retratar África com o continente “sem remédio”. Este foi substituído em 2011 por uma capa repleta de céus azuis e com o slogan “Africa Rising”.
Com efeito, Michela Wrong no New York Times referiu-se a esta tendência como o novo slogan obrigatório, agora que “está na moda ser otimista sobre África.” E o anterior editor do African Arguments, Simon Freemantle, sublinhou que “raramente passa uma semana sem que haja uma reportagem ou conferência a exultar o desempenho do crescimento e o potencial estrutural do continente.”
O problema é que todos os estereótipos reducionistas são incompletos e imprecisos. E, em particular, esta recente caracterização de África como um local a fervilhar de empreendedores, na sua “silicon savana”, levanta outros problemas. Numa parte do mundo que ainda se debate com níveis de desigualdade surpreendentes, esta nova caracterização tem o risco de colar demasiado a África a uma agenda e objetivos neo-liberais.
As desigualdades nas sociedades africanas
As observações de Thomas Piketty’s sobre os grandes fossos no rendimento são todas demasiado evidentes nos mercados livres e em ascensão na África subsariana. Sejam quais forem os sucessos alcançados por estes novos e brilhantes mercados, há poucos indícios do efeito multiplicador que beneficie os que estão “no fundo”.
Existem de facto histórias de sucesso em muitos países a demonstrar a capacidade e o potencial das economias africanas em desenvolvimento. Com efeito, alguns países em África estão atualmente entre as economias com maiores índices de crescimento no mundo. Mas as narrativas “Africa Rising” ignoram o drama daqueles que ainda estão esquecidos em sociedades que não proporcionam, fora da família ou da comunidade próxima, qualquer coisa parecida com a rede de segurança social que a maioria das sociedades ocidentais têm há muito como garantida.
Os idosos, pessoas com deficiências, doentes ou pessoas simplesmente sem sorte continuam a ter uma perspectiva sombria, tanto nas cidades sobrepovoadas como nas zonas rurais remotas. Podemos até simpatizar com o drama dos africanos que arriscam embarcar em botes para tentar uma vida melhor além mar. No entanto, todos sabemos que os denominados migrantes económicos que procuram uma vida melhor na travessia do Mediterrâneo não estão entre os mais pobres, que nunca teriam possiblidade económica ou a oportunidade de fazer tal travessia. Os argumentos de Piketty sobre a necessidade de existir um “estado social” que regule o capitalismo galopante são mais vitais do que nunca numa sociedade que exibe muitas das características brutais do capitalismo pirata Vitoriano.
Os Jornalistas têm de lembrar as audiências das outras narrativas de África
Então, em vez de cair no velho estereotipo do Afro-pessimismo, a cobertura dos media tem de se salvaguardar para não ficar limitada à recente narrativa “positiva”. Os binários simplistas não são suficientes quando se contam histórias de uma área tão vasta e multifacetada. As classes médias em ascensão e as élites económicas africanas são apenas uma dimensão. Apesar de todas as histórias de sucesso florescente, e há muitas, temos de lembrar as audiências das outras narrativas.
O bem sucedido engenheiro queniano Evans Wadongo, que tem sido pioneiro nas lampadas solares e que se tornou um dos principais heróis da CNN em 2010, é um bom exemplo disso. A par dos seus feitos tecnológicos e comerciais, no seu blogue e onde quer que vá, ele faz sempre um grande esforço para sublinhar as desigualdades e a pobreza chocante que prevalecem em muitas regiões do Quénia. Os media têm de recordar isso, assim como aqueles que atualmente não fazem parte da história de uma África em ascensão.
É ótima notícia que tenhamos evoluído para além da história única de uma África em fome, mas não queremos cair na armadilha do binário e substituir por outro estereótipo infeliz.
Africa’s media image in the 21st century: from the “heart of darkness” to “Africa rising”
pic credit: International Institute of Tropical Agriculture CC Flikr, Licence
Leia mais sobre este tema no artigo do EJO: Fazer jornalismo de África para mundo: missão impossível?
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