Jornalismo tem lugar entre as indústrias criativas

Março 16, 2015 • Jornalismo • by

As universidades europeias devem alterar práticas pedagógicas, reestruturar os cursos e dotar os alunos do Know-how necessário para desenvolverem negócios na área da economia criativa, que já representa 7% da economia global, apesar de sustentada em empresas de pequena dimensão, que empregam normalmente entre duas e sete pessoas.

O alerta é de Jon Dovey, professor da University of West England (UWE), e foi feito na abertura da conferência do projecto europeu Cre.biz – Open Innovation Lab, realizada a 24 e 25 de Fevereiro, em Bristol, Inglaterra. “As universidades precisam de uma mudança cultural e organizacional, de forma a encontrarem formas diferentes de terem impacto na sociedade”, refere Dovey.

Esta é uma preocupação do projecto Cre.biz, desenvolvido pela UWE, Universidade de Turku (Finlândia), Universidade de Navarra (Espanha) e pelo ISCTE-IUL (Portugal), com o objectivo de criar um módulo de formação de Laboratório de Desenvolvimento de Negócios na área das indústrias criativas, incluindo artes, humanidades e media/comunicação.

Além do módulo de formação, destinado a alunos de licenciatura e a licenciados, o projecto visa produzir materiais de ensino-aprendizagem e criar duas redes apoio a jovens empreendedores: uma rede de mentores provenientes de empresas e outra de académicos especialistas na área. Os resultados, incluindo um livro (em 2017), ficarão disponíveis para todas as universidades europeias.

Projectos. Em Bristol foram apresentados oito projectos seleccionados pelo Cre.biz e desenvolvidos por alunos portugueses, ingleses e finlandeses no âmbito de experiências-piloto de formação na área do empreendedorismo / economia criativa.

Em Portugal, foram envolvidos alunos de duas pós-graduações do ISCTE: Jornalismo e Jornalismo em Língua Portuguesa. Dois projectos têm como objectivo vender o Portugal desconhecido aos turistas, aproveitando um nicho de mercado por explorar numa área de cresceu mais de 12% em 2014, em contra-ciclo com a economia portuguesa. Outro projecto consiste na criação de um sítio Internet que ajuda o cidadão comum a cozinhar pratos rápidos, em função dos ingredientes que tenha disponíveis no momento. O quarto projecto português visa a criação de um jornal hiper-local online, na região de Lisboa, associado a um projecto de Educação para os Média.

“O resultado da partilha de projectos, experiências e visões foi altamente enriquecedora para todos e dá indicações claras da validade do projecto”, afirma Miguel Crespo, investigador do projecto através do ISCTE-IUL. Caterina Foà, também do ISCTE-IUL e investigadora do projecto, considera: “Acompanhámos o desenvolvimento dos projetos desde a ideação ao planeamento estratégico das atividades produtivas e de marketing. Recorremos a ferramentas inovadoras como o Business Model Canvas e o Design Thinking. Fomos mentores dos alunos, que trabalharam em grupo e individualmente, tendo elaborado relatórios estratégicos e o pitch que apresentaram em Bristol, num encontro internacional de partilha e aprendizagem, onde estudantes, académicos e profissionais abordaram a criação de projetos inovadores, metodologias e práticas de ensino/aprendizagem”.

Os alunos finlandeses, da área de gestão e tecnologias, apresentaram duas propostas de criação de uma aplicação para o jornal Turun Sanomat, que visa aumentar o consumo de notícias online, a monetização das visualizações (versão premium) e o incremento da interactividade com os leitores, cujos consumos serão monitorizados, de modo a personalizar a oferta.

Os alunos da UWE apresentaram dois projectos: a criação de um museu online de objectos comuns, com modelo freemium (parte do conteúdo de acesso livre e parte pago) e criado em interacção com o público; um sítio Internet com as propostas dos partidos políticos em relação a assuntos-chave, para esclarecer os eleitores, sobretudo os mais jovens, procurando inverter a crescente não participação em actos eleitorais.

Financiamento. O desenvolvimento e financiamento dos projectos foi central da conferência realizada no Watershed, entidade financiada por universidades inglesas e por empresas, que disponibiliza espaço de trabalho e verbas a jovens que pretendam desenvolver projectos, por um período pré-determinado.

Actualmente estão ali 120 jovens a desenvolver projectos que podem, depois, resultar na criação de start-ups. Mas o Watershed não é uma incubadora de empresas. “É uma incubadora de talentos. Os jovens não pagam para estarem aqui mas contribuem, com o seu conhecimento, para o desenvolvimento de outros projectos e recebem ajuda para o seu. É um ‘active connector’ que junta no mesmo espaço artistas, projectos de indústrias criativas, universidades, empresas de tecnologias…”, esclarece o director, Dick Penny. O Watershed funciona como “uma mente colectiva”, diz Verity McIntosh, produtora do Pervasive Media Studio, que integra aquela estrutura.

Entre os projectos que desenvolvem, destacamos a aplicação Duel, uma rede social na qual cada membro apresenta, por exemplo, dois objectos ou ideias e pede aos seus contactos que o ajudem a escolher por qual optar. Alguns projectos geram empresas. Mike Jackson, que trabalhou de perto com a Microsoft, apresentou na conferência a Webstart, empresa que reúne capital de risco e aposta em start-ups. As bem-sucedidas são vendidas e geram mais capital para apoiar outras no futuro.

No caso de indústrias criativas ligadas ao jornalismo ficou claro que só sobrevivem se tiverem diferentes fontes de receita. “Não pode existir uma muralha da China entre a parte editorial e a parte comercial. É preciso ter conteúdos jornalísticos de qualidade mas também vender produtos (ex: livros), organizar eventos e ter conteúdos patrocinados”, referiu James Breiner, jornalista norte-americano, professor na Universidade do Texas. E acrescentou “em jornalismo, as palavras consideradas ‘dirty words’ têm de deixar de o ser, tais como dinheiro, negócios, lucro, marketing, clientes e anunciantes.

Projectos na área do jornalismo exigem inovação permanente a partir do seu seio, pois a mudança do impresso para o digital significa entrar num ambiente muito competitivo, com leitores não estão dispostos a pagar e dificilmente fidelizados, tal como os anunciantes. A constatação é de Piet Bakker, da Universidade de Utrecht, Holanda, segundo o qual 85% das novas empresas jornalísticas holandesas têm apenas uma pessoa, que tem de ser “flexível, multitarefa, criativa”, capaz de se articular com free lancers, leitores, colaboradores que estão nas redes sociais. Mas está optimista: “O jornalismo hoje é muito mais difícil que antes, mas é também muito mais divertido”, concluiu.

Imagem: Crebiz

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