Superficial, Especulativa, Ofegante: a Cobertura Desatualizada do Terrorismo tem que Mudar

Julho 10, 2017 • Ética e Deontologia, Jornalismo, Últimas • by

Os ataques terroristas já não constituem eventos raros e os jornalistas deveriam tentar compreender mais aprofundadamente as complexidades por detrás deles, em vez de repetir estereótipos simplistas

A cobertura noticiosa dos recentes ataques terroristas em Londres e Manchester tem sido tristemente familiar: vídeos gravados por smartphones de vítimas que gritam; detalhes sobre os esforços frenéticos dos socorristas; atos de adivinhação: “foi terrorismo?”; especulação acerca do perpetrador do crime. No caso de Manchester, o horror foi amplificado pelo facto de tantos mortos e feridos serem jovens.

Desde os ataques terroristas de 2001 contra os Estados Unidos, a cobertura do tipo de violência inspirada pela Al-Qaeda ou pelo Estado Islâmico (DAESH) tornou-se um elemento básico do repertório dos Media de informação. Coletivamente, essa cobertura aumenta a sensação de vulnerabilidade do público: Um grande mal anda por aí, imprevisível e feroz, que certamente voltará a atacar.

Mas o que está por trás desse mal? Quando assisto ou leio a cobertura noticiosa dos ataques, eles tendem a tratá-los como eventos distintos, tal como um acidente de comboio ou um assalto a um Banco.

Enquanto trabalhava no meu próximo livro: “As Terrorism Evolves: Media, Religion, and Governance”, ficou claro que, se existem títulos noticiosos ofegantes sobre ataques terroristas inspirados no DAESH, também muitos pouco sabem acerca das complexidades do terrorismo e do islamismo. Quem são essas pessoas que assassinam tão desenfreadamente? Por que fazem uma tal coisa? E, mais importante, como é que esses ataques podem ser travados?

Responder a tais perguntas requer uma cobertura noticiosa diária e que consista em mais do que retratar o caos disperso. Uma abordagem holística para descrever o terrorismo pode explicar melhor esse fenómeno, que está a redefinir as nossas vidas, assim como o fez a Guerra Fria há 50 anos atrás.

Um vazio jornalístico

Os relatórios ocidentais sobre ataques terroristas típicos do DAESH, de forma explícita ou implícita, quase sempre assinalam uma conexão com o Islão. Mas muitas vezes termina aí. Muitos jornalistas afastam-se dos temas religiosos e tal situação cria um vácuo de conhecimento público que os terroristas e ativistas e políticos anti-muçulmanos podem explorar.

O resultado? Uma religião de 1,6 bilhão de pessoas está a ser definida no discurso público pelos actos dos poucos que derramam sangue numa arena em Manchester ou num mercado em Bagdade. E porque existe uma tão limitada compreensão do islamismo no mundo não-muçulmano – 55% dos norte-americanos dizem que pouco ou nada sabem sobre o Islão – muitos consumidores de notícias estão propensos a aceitar a ideia de que “o islamismo equivale a terrorismo”. Os resultados de um estudo do Pew Research Center, de 2015, sublinharem a omnipresença dos estereótipos e as tensões a eles subjacentes, com um número significativo de norte-americanos que vêem os muçulmanos como anti-americanos e violentos.

Quando figuras políticas acusam muçulmanos, ou quando se dá uma reação anti-muçulmana após um ataque, as organizações terroristas somam uma vitória. Porque, inevitavelmente, alguns muçulmanos acharão que a sua religião está sob cerco, tornando-se suscetíveis ao recrutamento por organizações como a Al-Qaeda e o DAESH, que se auto-intitulam como defensores da religião.

Após ataques terroristas, as respostas anti-extremistas das comunidades muçulmanas podem receber alguma atenção mediática. Por exemplo, uma mensagem anti-terrorista produzida no Kuwait e transmitida logo após o ataque bombista em Manchester tornou-se rapidamente viral nos media sociais e recebeu cobertura por parte dos órgãos de comunicação social ocidentais.

Não obstante, geralmente o Islão desaparece das notícias até a próxima tragédia, embora aproximadamente 80 por cento dos muçulmanos vivam fora do mundo árabe, em países de crescente importância, como a Indonésia, o Paquistão e a Nigéria. A influência política global do islamismo é, de certa forma, como a do catolicismo fora há séculos atrás. Se o papel do Islão nos assuntos mundiais recebesse uma cobertura jornalística contínua, talvez os consumidores de notícias percebessem que há muito mais no Islão para além da violência. E se a antipatia em relação ao Islão diminuísse, os terroristas perderiam uma ferramenta de recrutamento.

Abordando a ameaça de forma honesta

Dito isto, tal cobertura também deve abordar o extremismo patrocinado pelo Estado, principalmente a promoção bem financiada da ideologia muçulmana Wahabbist pela Arábia Saudita. Essa doutrina fundamentalista é intrinsecamente separatista e presta-se à militância. Ela fornece uma alegada razão teológica para tratar como inimigos os muçulmanos moderados – assim como não-muçulmanos.

Enquanto os políticos ocidentais são impedidos de lidar com esta situação por razões relacionadas ao petróleo e à geopolítica regional, os meios de comunicação poderiam desempenhar um papel mais contundente ao descrever como até alegados aliados ajudam o terrorismo a proliferar.

Os jornalistas também poderiam examinar mais detalhadamente a sofisticação das operações terroristas. O Estado Islâmico, por exemplo, utilizou habilmente os media sociais virtuais para inspirar terroristas, mesmo aqueles com os quais não teve contacto direto.

Os autores do ataque terrorista de Dezembro de 2015 em San Bernardino, na Califórnia, não receberam qualquer treino ou ordens do Estado Islâmico, mas juraram fidelidade ao DAESH e perpetraram o ataque com base no que tinham obtido através de conteúdos online da autoria do daquele.

Ayman al-Zawahiri, o atual líder da Al-Qaeda, reconheceu o poder dos Media quando escreveu, em 2004, que “mais de metade dessa batalha está a ocorrer nas trincheiras dos Media … estamos numa batalha mediática, numa corrida pelos corações e pelas mentes do nosso Umma [população muçulmana] “.

O DAESH utilizou os media sociais para divulgar sua mensagem, recrutar seguidores, treinar lutadores e angariar fundos. Recentemente, Governos e organizações não-governamentais tornaram-se mais habilidosos em contrariar tal situação – o Departamento de Estado dos EUA lançou mais de 300 vídeos no YouTube para contrariar a mensagem de grupos extremistas -, mas os meios de comunicação ainda tendem a subestimar as capacidades organizacionais e militares de grupos terroristas.

Considere-se a longa história de esforços para libertar Mosul, a segunda maior cidade do Iraque, que o Estado Islâmico ocupa desde 2014. As fontes iraquianas e norte-americanas fornecem atualizações vagamente optimistas, que são devidamente relatadas. Mas esta batalha tem vindo a decorrer desde Outubro de 2016. Apesar do ataque apoiado pelos EUA, certas zonas de Mosul permanecem sob controle do Estado Islâmico. O que augura tal situação perante um futuro esforço militar do Estado Islâmico e para os seus ataques terroristas de longo alcance? Confiar em boletins diários de combate obscurece as realidades a longo termo que os jornalistas deveriam analisar.

De modo mais amplo, os esforços de combate ao terrorismo pelos EUA e demais países merecem maior escrutínio. O público precisa saber o que funciona e o que não funciona. Derrotar o terrorismo exigirá uma mistura de coerção com persuasão. Destruir as infra-estruturas de recrutamento de terroristas é crucial. E tal requer programas inovadores para alcançar aqueles que são vulneráveis a apelos extremistas.

O terrorismo é uma omnipresente parte da nossa vida que merece uma cobertura noticiosa mais consistente, assim como os jornalistas que trabalhem o terrorismo devem adquirir conhecimentos especializados sobre este tema multidimensional. (Entre os melhores encontram-se Joby Warrick, do The Washington Post, e Rukmini Callimachi, do The New York Times). Mas, e acima de tudo, o jornalismo relacionado com o terrorismo continua a ser episódico e simplista.

Desde o rude despertar do 11 de Setembro, o jornalismo, na minha opinião, não acompanhou o crescimento sangrento do terrorismo. Urge recuperar o atraso.

Esta é uma versão atualizada do artigo originalmente publicado no The Conversation.

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