Quando as notícias não são para todos

Dezembro 1, 2014 • Jornalismo • by

Três quartos das notícias publicadas na Europa têm homens, brancos, acima de 40 anos, como protagonistas. As mulheres apenas o são em 25% das notícias. Emigrantes, deficientes e outras minorias têm sobretudo papéis secundários ou de figurantes. É urgente diversificar fontes de informação e os especialistas que comentam as notícias, além de mudar as políticas de formação e recrutamento de jornalistas, conclui o projecto Mediane, do Conselho da Europa e da Comissão Europeia.

As mulheres representam metade da população europeia mas apenas figuram em cerca de um quarto das notícias publicadas e, nas notícias económicas e científicas, figuram em menos de 5%. Os dados são da Associação Mundial de Comunicação Cristã (World Association for Christian Communication – WACC), segundo a qual os emigrantes, que representam cerca de 10% da população europeia, são protagonistas em menos de 5% das notícias. Um estudo do Conselho Superior Audiovisual belga concluiu que os portadores de deficiência ocupam sobretudo em papéis secundários nas notícias e quase sempre acerca de assuntos relacionados com deficiência.

O Conselho da Europa e a Comissão querem combater esta sub-representação noticiosa, intervindo junto de jornalistas, estudantes e professores de jornalismo, mas também dos quadros médios e superiores das empresas de comunicação social. Apoiaram em conjunto o programa Mediane (Media in Europe for Diversity Inclusiveness), realizado em 2013 e 2014, que encerrou a 14 de Novembro, com uma conferência em Bruxelas, que juntou 150 especialistas europeus.

Das sessões plenárias e dos grupos de trabalho ficou clara a necessidade dos jornalistas diversificarem as fontes de informação e de os especialistas ouvidos nas notícias. A France Télévisions, serviço público francês, desenvolveu um barómetro que analisa as fontes e os especialistas presentes nas notícias, devolvendo depois essa análise aos editores e jornalistas. “O efeito foi uma maior diversidade na selecção e uma melhor representação da sociedade nos canais de televisão”, afirma o director-delegado para a diversidade na informação, Stéphane Bijoux, que não divulga os resultados.

Idêntica solução está a ser adoptada no canal público francófono da Bélgica, a RTBF, cujo administrador-geral, Jean Paul Philippot, tem uma equipa a trabalhar na monitorização das notícias do canal, desde 2012, pois “é preciso inovar e diversificar”, o que resumiu no termo “innoversity” (inoversidade).

O francês Stéphane Bijoux aconselhou ainda as escolas de jornalismo a selecionarem estudantes de diferentes meios sociais, incluindo os mais desfavorecidos. “Somos um serviço público e, mais do que diversificar, é preciso ter a sociedade reflectida na empresa”. A prática é seguida já em Bordéus, no Institut du Journalisme Bordeaux Aquitaine, que seleciona anualmente 35 entre 800 candidatos, tendo a diversidade em mente. “Adoptam a postura do jornalista e não é por virem de um meio desfavorecido que são mais sensíveis aos problemas sociais. Todos preferem fazer a cobertura do desporto ou da cultura. Temos de ser nós a dizer-lhes para diversificarem os temas das notícias.

Há uma tendência para a auto-normalização que entra em conflito com os nossos esforços ao nível de recrutamento. Mas o facto de terem diferentes proveniências enriquece-os a todos e muda os ângulos de abordagem das notícias”, refere a responsável pelo recrutamento, Brigitte Besse.

A contratação de profissionais para as redacções, com origens sociais e culturais diversas, foi outra necessidade apontada, mas os responsáveis de empresas de comunicação social presentes (Itália, Alemanha, Suécia, França, Inglaterra, Irlanda e Bélgica) referiram que a hora é de reduzir o número de jornalistas e as contratações são residuais. Mas recebem estagiários, alguns dos quais conseguem contratos temporários. Esta unanimidade dos dirigentes levou Michael Smith, do Sindicato de Jornalistas Ingleses, a perguntar: “Há muitos jovens que são explorados pelas empresas média, pois trabalham gratuitamente ou são pagos simbolicamente, mesmo quando fazem o trabalho de jornalistas profissionais. Isto não pode ser. E ainda há a questão ética. Como podem seguir regras de deontologia e independência se o que lutam é pela sobrevivência e por um lugar num quadro?”.

Na conferência foi ainda apresentada a “Mediane Box”, uma aplicação online (para já em francês e em inglês) destinada a jornalistas, professores de jornalismo e a quadros de empresas do sector, que têm um questionário de auto-monitorização em relação às suas práticas diárias em termos de diversidade e inclusão. Têm ainda acesso a recursos multimédia que os podem auxiliar nas suas práticas. A Mediane Box foi desenvolvida por cerca de 500 profissionais, 80% deles jornalistas, mas também professores, quadros de empresas e representantes de associações, ao longo de dois anos.

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