Fábricas de tráfego? Como as métricas influenciam os jornalistas… e o jornalismo

Dezembro 17, 2015 • Ética e Deontologia, Jornalismo digital, Últimas • by

Os jornalistas podem ser muito emocionais acerca das métricas, segundo uma nova pesquisa sobre o impacto dos dados nas redações. Até os mais duros repórteres podem sucumbir à pressão de saber, em tempo real, quantas pessoas estão a ler a sua história e se ela foi lida até ao fim.

Caitlin Petre, uma investigadora do Toe Centre for Digital Journalism, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, analisou duas redações: a da Gawker, um site nativo digital, e a do New York Times, uma organização de media tradicional, para compara a forma como os jornalistas usam os dados das audiências e como isso afeta o seu trabalho.

A Gawker, cujo trabalho é muito orientado para as métricas, e o New York Times, onde os dados ainda são de importância secundária para os jornalistas, usam o Chartbeat, um serviço de análise de dados muito usado nas redações. O Chartbeat oferece a jornalistas e editores informação em tempo real ‘segundo a segundo’ do comportamento da audiência. Segundo Petre, Chartbeat desenha as suas métricas para «originar emoções fortes».

Petre, que também apresentou os resultados do seu trabalho na conferência New Practices of Journalism, na Sciences Po School of Journalism, que teve lugar em Paris em Dezembro, entrevistou membros do staff das organizações analisadas e esteve nos seus escritórios e redações para levar a cabo a sua pesquisa.
Ela conclui que as métricas são ferramentas de gestão bem como ferramentas editoriais. Elas estruturam relações entre colegas e equipas, bem como modelam notícias e conteúdos.

O seu estudo «The Traffic factories: Metrics at Chartbeat, Gawker Media and The New York Times» conclui:

As métricas originam emoções fortes nos jornalistas

Os jornalistas entrevistados para o estudo afirmaram que sentem felizes quando o tráfego é bom e desesperados quando o tráfego é mau.

Petre citou um trabalhador da Gawker que lhe disse: «Eu estou tão preocupado com o quanto o meu bem estar emocional é influenciado pelo número de hits nos meus posts, que falo com o meu terapeuta sobre isso». Outro jornalista da Gawker afirmou que deu uma cópia do estudo ao seu terapeuta para que ele pudesse compreender melhor os problemas de ansiedade.

Um repórter do New York Times que ficou avassalado pelo poder dos dados disponíveis. «Quando vi o Chartbeat pela primeira vez eu fiquei tipo ‘O meu Deus’… consegue dizer que estão 20 mil pessoas a ler agora nestes momento. Sabe, isso é poderoso».

Petre relata que as métricas podem tanto tranquiliza como enervar os jornalistas. Eles originam um espectro de sentimentos fortes que incluem excitação, ansiedade, dúvida de si mesmo, triunfo, competição ou desmoralização.

«Quando elaboram políticas internas para a utilização de métricas, os gestores das redações devem ter em conta os potenciais efeitos do tráfego de dado, não só no conteúdo editorial, mas também nos trabalhadores editoriais», afirma Petre.

A analítica pode ser altamente viciante

Uma redatora da Gawker afirmou ser viciada em métricas. «Se fico um dia sem a análise de dados fico com tremores». Petre afirmou que esta adição pode ser ligada às semelhanças entre a analítica e os jogos de computador, incluindo jogos de máquinas como as slot-machines.

«Muitas coisas que tornam os jogos com máquinas viciantes são partilhadas pelas métricas, por exemplo, visualizações atraentes e uma mistura intoxicante de competências e sorte… há certas ações que podem ser realizadas de forma a por o autor numa boa posição, para ter bom tráfego», afirma Petre.

As métricas intensificam a competição interna, mas isso não é necessariamente mau

Petre concluiu que quando usam métricas em tempo real os jornalistas de uma organização tedem a competir entre eles, em vez de competirem com sites ou organizações externas. No entanto ela reporta que a maior parte das pessoas descreveu a situação como competição saudável. «Eu quero estar sempre no top quatro (dos maiores sites) na empresa, eu não quero estar nos quatro do fundo», afirmou um dos editores da Gawker.

O relatório também faz três recomendações às redações:

«Primeiro, as organizações noticiosas devem dar prioridade ao pensamento estratégico no que respeita assuntos relacionados com a analítica (ou seja, o papel apropriado das métricas na organização e as formas como os dados interagem com as metas jornalísticas da organização). O compromisso com estas questões de fundo deve ser afastado do tráfego diário e das pressões mas pode, por outro lado, adquirir várias formas. Por exemplo, as redações que não podem gastar recursos com a contratação de um analista podem beneficiar de parceiras com investigadores externos.

«Segundo, quando escolherem um serviço de análise de dados, os gestores das redações devem olhar para além das ferramentas e ter em consideração quais são os objectivos estratégicos da empresa, os seus imperativos de negócio, e os valores que melhor complementam os da redação».

«Por último, apesar de os esforços para desenvolver melhores métricas serem necessários e valham a pena, as redações e as empresas de análise de dados devem estar atentas às limitações das métricas. À medida que as prioridades organizacionais e os sistemas de avaliação estão a ser cada vez construídos em cima de métricas, há o perigo de confundir o que é mensurável quantitativamente com o que o é valioso».

Siga este link se quiser saber sobre o relatório.

Pode também ter interesse em ler «The Guardian: Giving data to journalists»

Créditos da foto:: Chartbeat

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