Jornais desportivos lusos, um olhar para o passado

Maio 13, 2015 • Jornalismo, Últimas • by

Os diários desportivos portugueses ainda estão a olhar para o passado. Pelo menos em suas versões tradicionais, que todos os dias chegam às bancas. Num sentido oposto ao que exige a realidade atual, marcada pelo acesso cada vez mais fácil a informações gratuitas e praticamente em tempo real na Internet, os três grandes jornais dedicados ao desporto no País se prendem a fórmulas com um passado bem-sucedido, mas ultrapassadas no Século XXI.

Uma nova forma de se comunicar surgiu com a popularização da rede mundial de computadores, causando um forte impacto nos modelos tradicionalmente enraizados da nossa sociedade. O futuro dos “velhos media” agora é encarado com preocupação, reflexo de uma queda constante no número de exemplares vendidos. Diante de um cenário imprevisível e instável, destacar-se dos demais tornou-se uma obrigação, mas não é isso que se constata no dia-a-dia da imprensa desportiva lusa.

Personagem fundamental na busca pela sobrevivência dos jornais impressos, a capa não tem sido tratada com a atenção devida pelos diários “A Bola”, “Record” e “O Jogo”. Em vez de explorar o poder de sedução que a primeira página exerce sobre o leitor, as três grandes publicações impressas do jornalismo desportivo português preferem, na maior parte das vezes, optar pelo “lugar comum”, pela manchete óbvia e envelhecida, tornando-se, consequentemente, repetitivos e pouco apelativos para o consumidor.

Uma análise de sete dias das edições vendidas em Lisboa pelo trio de jornais desportivos evidencia este cenário. Entre 25 de novembro e 1 de dezembro de 2014, “A Bola”, “Record” e “O Jogo” coincidiram em suas manchetes em três ocasiões. Nos outros quatro dias, dois dos três periódicos optaram por um mesmo assunto como destaque principal.

O Sporting ocupou a manchete dos três diários desportivos por duas vezes, em 25 e 30 de novembro. Os Leões, inclusive, foram o tema preferido do trio de jornais, aparecendo em 11 de 21 manchetes possíveis, além de dividir uma com o FC Porto. Já o Benfica, que dominou as três manchetes de 27 de novembro de 2014, foi o destaque de oito capas neste período.

Entre as competições, a que mais se destacou como manchete foi a Liga dos Campeões da Europa, com nove das 21 capas possíveis e hegemonia nas três publicações nos dias 25, 26 e 27 de novembro. O termo “Champions”, como a prova é conhecida em inglês, apareceu nas capas de “A Bola”, “Record” e “O Jogo” 19 vezes nos sete dias analisados.

As semelhanças não se limitam aos temas escolhidos, mas também ao padrão adotado pelos três periódicos para a criação de suas capas. Na apresentação de um jogo, destaca-se o treinador da equipa ou um jogador que possa “fazer a diferença”. No dia seguinte, aparecem na capa atletas celebrando – em caso de vitória – ou com o semblante triste – caso o resultado tenha sido negativo. As manchetes em geral apontam para o óbvio e, por isso, acabam por se diferenciar pouco de uma publicação para outra.

Além disso, as manchetes muitas vezes chegam envelhecidas às bancas, focadas no resultado de uma partida que aconteceu no dia anterior. Esta estratégia evidencia a necessidade de a imprensa desportiva lusa se modernizar, deixar de olhar para o que aconteceu “ontem” e projetar as consequências dos fatos de “ontem” no “amanhã”. O resultado puro e simples de uma partida de futebol já não é atrativo no dia seguinte, pois foi explorado à exaustão através da Internet.

No livro “Can Journalism Survive?”, de 2012, o académico David Ryfe comenta sobre a resistência dos jornalistas em sair do roteiro de um modelo de jornalismo visivelmente ultrapassado. Segundo ele, os jornais que não se adaptarem ao novo milénio não sobreviverão por muito tempo. Um claro indício desse problema se traduz na tiragem dos jornais desportivos em Portugal. Ao comparar os dados disponíveis pela APTC (Associação Portuguesa Para o Controlo de Tiragem e Circulação), nos quatro primeiros bimestres de 2014, “Record” e “O Jogo” (“A Bola” não faz parte da associação) apresentaram queda em relação ao mesmo período dos cinco anos anteriores. Nos primeiros oito meses de 2014, por exemplo, o “Record” teve uma tiragem de 329.998 exemplares, contra 466.447 do mesmo período, em 2010. “O Jogo” também registou queda acentuada, passando de 200.788 cópias, em 2010, para 143.436, em 2014.

Para se tornar mais atraentes, estas publicações devem apostar em fugir do “lugar comum” das entrevistas coletivas, do simples resultado de uma partida do dia anterior, ou da óbvia manchete a dizer que uma equipa entra em campo para vencer. Logicamente não se pode fugir sempre do destaque a Benfica, Sporting e Porto, os principais clubes do futebol português. No entanto, não se pode também simplesmente optar pelo caminho mais fácil. Há várias maneiras de se contar uma história, há várias histórias e personagens diferentes que merecem destaque.

O desporto não se resume aos números finais de uma partida ou a palavras redundantes de treinadores ou dirigentes. Mas, durante sete dias, foi basicamente isso que apareceu nas capas dos três grandes diários desportivos do país. Uma solução muito simplista e superficial para um meio em que a sobrevivência no longo prazo indica estar cada vez mais ameaçada.

Crédito da imagem: Reprodução internet

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